terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Surto consumido

            Já virou clichê de grupo pseudo-alternativo anticapitalista americanizado dizer que o consumismo é uma loucura, que a sociedade do capital está doente e que o colapso esta perto, assim como o fim do mundo em 2012 ou 2017, quem sabe.
            Não é difícil encontrar pessoas que saibam elencar tudo o que faz “mal” à sociedade organizada na alienação: TV para as crianças, excesso de trabalho para os adultos, falta de tempo para diversão com a família, para realmente viver a vida global; tempo nunca se tem, a não ser para gastar preocupado em ganhar mais dinheiro, por menor que seja o valor e mesmo que não haja saúde para gastá-lo. E o medo de sempre se perder o muito pouco que se tem domina o dia, toma a tarde, invade a noite, rouba o sonho e financia o traficante farmacêutico.
Alguma coisa em 7 de setembro. Com Nina Veiga, Flaviana Benjamin e Tarcísio Moreira. Juiz de Fora - MG
            Vivemos no tempo do excesso, mas em constante exceção. Somos seres complexos que fantasiam a realidade, que inventam a todo o momento mundos real[mente] ficcionais. Para alguns, temos um consciente e um inconsciente. Este tal inconsciente, que já fora chamado subconsciente, acredito ser um SUPERconsciente (algum autor já disse isso, mas querendo dizer outra coisa, não sei qual, joga no Google.com). Dizem que o inconsciente está sempre ali, o tempo todo, por isso um superconsciente é mais que o consciente, não é estar imperceptível quanto o inconsciente; está super perceptível, in está muito out. [Super]a-se, acumula forças dando lampejos de razão, forçando um mundo que quer criar. Ele domina, quer conscientemente. Ele é mutante, atento e possui uma atenção constante, parece nunca dormir porque sonha, sonhos terríveis, alucinados, excitantes, amorais, românticos, bizarros, incestuosos. Mas o que querem dizer: já dizem, são sonhos criados por um imaginário potente, artístico e errante, só. Apenas sonhos. O pior é quando se manifesta na presença do outro, quando interfere na relação com o outro, quando determina a interação com o outro: metamorfoseia-se em homo, hétero, bi, pan sexual; não se sabe como, apenas que é. Pernas super inquietas, olhos que piscam, dentaduras que deslizam na boca, maxilares que tensos, dedos que estalam, amizade instantânea e passageira;  monólogos na rua, no banheiro, frente ao espelho; perseguição à noite, uma série de taquicardias, modos que denunciam e/ou anunciam “ Sou eu mesmo, sou eu”. Que eu? Eu quem? Surto! Susto. Absurdo. Surto.
            Ligo a TV (a vilã de sempre!). Tá! Abro a revista, olho outdoors, acesso à internet – lugar potente do surto de 7x70 de perdão infinito. Bobagem a TV, pois o nosso consciente super descobre o superconsciente internauta. Podemos viajar, acessar mundos outros, distantes; podemos ser quem EU quiser. Será? Sexo, sexo, sexo e mais sexo. É surto, é sexo no surto, e surto de sexo, click, um vuco-vuco, sei lá o quê. É super-homem que voa sem poderes, sem pára-quedas, que mata tubarões na prancha de surf, que faz amizade com monstros da floresta, que no naufrágio... Ah! Tá explicado! O comandante daquele navio na Itália pulou antes não para salvar-se e deixar todos ao léu, foi para salvar o isopor de cerveja que estava à deriva. Eu vi isso numa propaganda de cerveja que descia redonda ou redondo? Ou foi numa novela, ou será numa atualização do facebook. Há diferença?
            E já que alguns já mataram deus, resta ao analista, que não é deus, mas melhor, sabem que o é, não diga o que fazer. Porque ele não diz nada, só escuta, analisa, analisa-se, pois ele também está em análise. Temos uma perfeita engrenagem: somos potencializados ao surto, surtamos, aí temos alguém para nos socorrer de nós mesmos, para voltar ao que EU era, mas não sabia ser porque no surto se é muitos, menos EU. Tolice.
            Estamos em tempos de excessos e em exceção. Medo. Temos medo do surto que é inevitável, pior, que é incentivado virtualmente. Há uma saída, uma promissora carreira: analista e pode ser analista de sistema, é quase a mesma coisa que lida com máquina, como se tudo fosse maquinalMENTE previsível no surto
Estamos todos surtados! Que bom! Que potente.
Não há problema algum em querer embriagar-se, cortar-se, estuprar-se, consumir-se, consumir, pulsão de morte-vida: isso é vida. Mas há risco, há coma alcoólico, lei moralizante, polidez política, há outros deuses, tantos deuses, deu-se muita coisa, há deusa científica, há um templo da vida abaixo da Europa que acelera o fim.
O surto é necessário. É pulsão de morte-vida. É preciso morrer para viver. Isso já disse Jesus, já disse Pessoa, mas eles já morreram e não é interessante a igualdade, a semelhança, porque o surto é sempre diferença. O desejo sempre desejo de desejo é desejo outro, nunca igual. Talvez repetição que gera diferença. Blábláblá. Blábláção inventiva de vida. É sentido artístico, são sentidos artísticos sem uma direção senão a vida, mas que direção tem a vida? Não sabe-se. Isso é vida. Incerteza certeira. Potência no nada saber, no tudo poder.
Mas estou EU cá analisando.
Surtados meus e de todos, porque o surto nunca é EU, é sempre NÓS! É encontro EU/OUTRO ou OUTRO/EU. É um não sei o quê com um sei lá o quê, que gera outra coisa que não sei, porque ainda não sou. Sem fim, mas com muitos meios. Acontecimento.
            Tudo assim comprado, para voltar ao assunto que me provocou primeiro a escrever. Somos conduzidos o tempo todo ao surto: querem-nos vender o surto dopado, da velocidade, do sexo sempre prazeroso, da viagem inesquecível, da festa interminável, dos milhares de amigos, da família perfeita, do amor para recordar, do emprego rentável, da felicidade como fim, da saúde constante, da juventude eterna, da morte superada. Querem vender-nos o surto ou nos aproveitam no surto? Querem vender-nos a constância, a potência do surto, a vitalidade surtada. Mas surto não se compra. E todos os surtados de rostos, de propaganda, de pícaras máscaras de surto estão enclausurados numa redoma longínqua de conceitos invisíveis, a salvo da sociedade insegura.
            Temos que surtar. Não compramos o surto e não podemos controlá-lo. Comercializamos um controle inexistente. Drogado, entorpecido. Como viver no/o/do surto? Perigo. Excesso. Morte. Vida. Não há fórmula exata, nem segura. Só certeza de que ele é necessário. De que ele é iminente. Sempre. Tentam vender- nos o controle, a cerveja, o cigarro, a casa, o peito perfeito; procuramos na internet, na rua, o amante ideal, o pinto, a neca, a vara, o caralho, a geba, a pica delícia; o corpo tanquinho para lavar a alma, sem estria, sem celulite, cem, não um. Muito, queremos mais, sempre mais, porque sempre falta ou pode vir a faltar. Será?
            Surtado. Solto. Suado. Tarado pela vida. O que não contam, o que o consciente super acredita não dizer é que se há falta tudo falta, nada satisfaz. Tudo é nada. O surto é pleno, pavor, pupila dilatada, atenção. É desejo sem falta, desejo no nada: nada sou, nada tenho, nadar sem água. Então tudo pode, criação, invenção de outro que não se assemelha a nada, inédito, mas feito das mesmas coisas. Nada é tudo, tudo que se tem. Não há o que se temer, há que se ter coragem. Coragem! Para deixar se acontecer. Para não controlar, para acontecer. É risco sempre. Risco inevitável. Fuga incessante do analista e seu divã. Arriscar-se. Riscar-se. Dilacerar-se. Deixar-se. Pulsão de vida na morte. Morte do EU, vida em mim. Surto é pulsão de vida-morte. No qual morte não é o fim, é o meio; apenas um processo de potência de vida, morte como desejo de vida. Surto. Há que eu morrer para que mim viva. Isso não se compra, não se vende. O mesmo desejo vendido na propaganda acompanha consulta marcada no analista. Falta para eles é processo interminável, para mim, é apenas a falta de um eu que não existe. Fuga na/da falta, no/do controle, falta de fuga, falta fuga. Fuja.
            Nunca se foge do superconsciente. Surto.

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