Atriz Grasiele Gontijo em cena do filme. foto retirada do blog oficial. http://www.ocarapassa.blogspot.com/2010_07_01_archive.html |
Você já deve ter tido, tem ou terá um vizinho digno de ser observado no seu cotidiano. Quando se levanta pela manhã; naquela soneca da tarde, largado no sofá com roupas bem à vontade, sem camisa. Ou quando está com outra pessoa em momentos de muita intimidade. Ou quem sabe, se der muita sorte, protagonizar saídas do banho com trocas de roupa. Tudo isso com aquela dúvida entesada[1] se a outra pessoa sabe que está sendo observada. Ah! E tudo isso termina às vezes com um momento solitário, de muito tesão e masturbação. Eis a descrição de um voyeur, palavra de origem francesa usada para designar pessoas que se excitam apenas observando outra(s).
Excedem à grande rede de computadores vídeos ou sites com esta temática, que é crime, se considerada invasão de privacidade. Existe uma atmosfera de desejo e uma excitação na observação do outro, sempre potencializada pelo que o outro representa a nós, pela fama, e a internet potencializa isso. Exemplo mais ressente são de vídeos envolvendo pessoas conhecidas, apresentadoras de programa de tv, atores e muitos aspirantes a BBB[2], flagrados por webcams em situações de bastante intimidade e tesão. Há ainda muitos endereços especializados em disponibilizar imagens de câmeras escondidas ou de vigilância, voyeurs “profissionais” que estão o tempo todo prontos para registrar momentos cotidianos e excitantes – quanto mais casuais, melhor: elevadores, ônibus, trens, banheiros, revistas policiais, resgates, entregas, táxis, consultórios, escritórios, situações do dia a dia socialmente sexualizadas e ao mesmo tempo, proibidas e por isso, ainda mais excitantes. Neste momento abro espaço para uma citação de Osho, para violentar o pensamento, leiam Vaticano como qualquer instituição que pregue o sexo como algo moralmente prejudicial:
Pergunta a Osho: Por que estou tão fascinado pela pornografia?
Deve ser sua educação religiosa, sua escola dominical; caso contrário, não há necessidade de estar interessado em pornografia.
Quando você é contra o real, você começa a imaginar. O dia que a educação religiosa desaparecer da Terra, a pornografia morrerá. Ela não pode morrer antes.
Isto parece muito paradoxal. As revistas como Playboy existem só com o apoio do Vaticano. Sem o Papa não existirá nenhuma revista Playboy; não pode existir. Não terá nenhuma razão para existir. O sacerdote está por trás disso.
Por que você deveria estar interessado em pornografia quando pessoas estão aqui ao vivo? E é tão belo olhar para pessoas vivas. Você não se interessa pela fotografia de uma árvore nua, interessa? Porque todas aquelas árvores estão nuas!
Quando você é contra o real, você começa a imaginar. O dia que a educação religiosa desaparecer da Terra, a pornografia morrerá. Ela não pode morrer antes.
Isto parece muito paradoxal. As revistas como Playboy existem só com o apoio do Vaticano. Sem o Papa não existirá nenhuma revista Playboy; não pode existir. Não terá nenhuma razão para existir. O sacerdote está por trás disso.
Por que você deveria estar interessado em pornografia quando pessoas estão aqui ao vivo? E é tão belo olhar para pessoas vivas. Você não se interessa pela fotografia de uma árvore nua, interessa? Porque todas aquelas árvores estão nuas!
Faça só uma coisa: cubra todas as árvores, e mais cedo ou mais tarde você achará revistas circulando às escondidas - árvores peladas! E as pessoas estarão lendo, colocarão dentro de suas Bíblias e olharão para elas e desfrutarão. Tente e você verá![3]
O curtametragem “O Cara passa” (2010), com Direção de Maria Clara Teixeira / Necésio Pereira se posiciona neste lugar. Uma criação potencializada por recursos e técnicas que misturam flagras ficcionais e reais. Não faltam à produção artística dita clássica obras que abordem a temática da observação e o perigo que, em tempos cada vez mais informatizados e conectados, isto representa ao indivíduo: livros como “A sociedade do Espetáculo”(1967) de Guy Debord, “1986” (1949) de George Owell; filmes como “V de Vingança” (2006) de James McTeigue (que fora adaptado dos quarinhos), “A vida dos outros” (2006) de Florian Henckel von Donnersmarck, ou ainda, músicas como “Quatro vezes você” (2008) do grupo poprock brasileiro Capital Inicial. O fato é: hoje não é somente o Estado que possui aparatos técnicos para vigiar, a ocupação do vizinho voyeur da luneta e do binóculo toma proporções inimagináveis na internet.
Antes as produções desejavam reproduzir situações cotidianas, e com o passar do tempo, foi-se criando um apelo muito maior em produzir momentos mais “reais”, tanto no ambiente do entretenimento como na arte de vanguarda. Neste, fez surgir entre outros tantos movimentos, a Arte da Performance; naquele, fez nascer os chamados realities shows, que tem como maior representante brasileiro o Big Brother Brasil, da Rede Globo de Televisão.
O Cara passa transita entre o ficcional e o real; entre o entretenimento e a arte. Rompe. Com técnica de posicionamento de câmera e/ou pela apropriação de imagens de câmeras de vigilância e/ou pela montagem acertada dos takes, consegue inventar a sensação de que estamos assistindo às imagens de câmeras ligadas há horas, à espera de um acontecimento. Não sei. Por isso é bom. Os atores, bem resolvidos em suas atuações, conseguem convencer os transeuntes flagrados que realmente são bêbado, pedinte e moça no ponto de ônibus. É excitante ver a reação das pessoas àquele casal improvável que se seduz numa dança sensual naturalmente coreografada. Uns parecem se perguntar: ele está bêbado? Ela é louca? Um passante parece reconhecer o ator, que é natural de Ouro Preto, cidade onde foi filmado o curta. O casal que vende animais na feira propõe o momento de maior interação entre “atores” e “público”, ponho entre aspas porque não podemos diferenciar no decorrer da ação atores de público. Poderia chamá-los performers e ser melhor entendido, mas o termo é usado por demais, está banalizado, desgastado, limitado. Poderia chamar de “aqueles que acham que sabem o que vão fazer” e “aqueles que, sem saber, têm o maior poder de mudar as coisas”. Mas isso são apenas termos que não devem usurpar o potencial da experiência, que também se assemelha ao teatro invisível de Augusto Boal. Mas como a mim o mais interessante é a diferença e não as semelhanças, as vejo no pretexto do cara que passa a pedir dinheiro, R$ 10, e que resolve a falta de conexão, a priori, das cenas.
Tudo me agrada, até mesmo os momentos em que não consigo entender o que se diz em cena, ou o que tem a ver aquela menina no ponto de ônibus, brigando com aquela mulher que não parece ser sua mãe; ou a caracterização destoante; ou a diferença das atuações, que beira aos excessos do canastrão à naturalidade: convence a todos. E a vida não é assim? Tudo aguça mais minha curiosidade, minha imaginação, minha capacidade de escrita. Excita-me muito.
Há muitas coisas que acontecem que foram captadas pelas câmeras ou pensamentos de efeitos que aqui não serei capaz de observar. Que não vi. Está lá. Vá ver. Apenas vendo mais uma vez, e mais outra. E outra. Escolhi não ver novamente, pois o texto é atrasado. Antes de escrever este texto, decidi seguir meu desejo de escrita, por isso há risco que esteja fantasiando coisas que não estão lá, que nem todos irão enxergar, mas que, sem dúvidas, só existem porque vi o filme. Veja também.
Este filme fala do excesso, por isso digo muitos “mais e mas”. É filme de excesso de exposição. É filme de excesso de relações, de fragmentos mais fragmentados e potentes quando visto no todo. Não existe melhor cena ou ator, a cena só é em relação. E agora quero salientar algo que mais me encantou, que mais me seduziu, que mais me excitou a ponto de querer mais e mais. Uma que vi antes do filme ser lançado. Será por isso??? A atuação de Grasiele Gontijo é surpreendente. Tamanha sensualidade midiática, de movimento capilar, de jogada de perna, de quatro, de escolha da langerie: uma striper nata! De fazer qualquer fissurado em enfermeiras gozar sem pôr as mãos. O que deixa mais incrível ou crível na arte, porque está lá, bem registrado, é a capacidade de metamorfosear um corredor qualquer em UM corredor de hospital high tech, capaz de convencer uma atriz riponga de que ela é a mulher mais sexy do mundo. Não que um seja referente ao outro, mas um determina, potencializa a existência da outra e vice-versa. Queria ser, naquele momento, aquele chão, naquela língua. Vemos pouco o cara passar e isso pouco importa. O que interessa é o que acontece entre, enquanto o cara está para passar. Quando vai passar? Vejam, afinal todos nós temos um pouco de voyeur e se tudo terminar num gozo inesquecível, melhor ainda.
[1] Tornar teso, rígido, firme. Variante popular que se refere ao estado de excitação, popularmente conhecido como tesão.
[2] Sigla para o nome em inglês Big Brother Brasil, programa exibido há 11 anos pela Rede Globo.
[3] Mais em http://www.palavrasdeosho.com/2009/07/deixe-o-homem-ser-natural-e-pornografia.htm
Para quem ficou com tesão para ver o filme clique aí e relaxe, se puder!
http://vimeo.com/19441795
Caramba!O filme foi lançado a mais de um ano. O Inscrevi em um cem números de festivais , que não o aceitaram. Alguns amigos e professores apontaram falhas na direção e produção que reconhecemos. Admiti muitas vezes ser "O Cara Passa" um erro, mas um erro não maior do que não fazê-lo. E depois de tanto tempo ler isso , me arrepia! reaviva a obra em mim, e os laços com todos os amigos que aceitaram fazê-lo sem renda nenhuma. grande abraço!!!
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