quinta-feira, 3 de abril de 2014

Nu questão de uma qualificação

                Antes de chegar ao dia solene, surgiram inúmeros possíveis roteiros para minha apresentação que deveria ter aproximadamente 20 minutos. Ler o texto todo que se materializou numa caixa de plástico, produzida com as capas do kit qualificação do PPGE, com um caderno de bordas de 20 folhas escrituradas, 22 folhas de texto em papel vegetal, duas folhas de texto em folha de plástico em transparência, um texto em folha A4 em papel couché, um texto em  folha A3, um texto em folha de 168 cm X 58 cm, um texto em folha formato de círculo com 90 cm de diâmetro, um texto em folha enrolada com aproximadamente 200 cm, se tornou tarefa difícil e talvez desinteressante em tempo tão curto. 
Por minha natureza performática, não faltaram advertências alheias para que não ficasse nu durante a apresentação. Colegas de grupo, amigos de curso, conhecidos que só desconhecidos de diferentes lugares.                 De pronto afastei a ideia de tirar a roupa, pois parecia óbvia demais para um trabalho que não queria parecer óbvio demais. Curiosa imagem que inventamos em algumas relações ou os desnudamentos que parecemos provocar, mesmo quando não estamos sem roupa, porque depois de pouco mais de 25 trabalhos artísticos, troquei de roupa em cena em apenas duas apresentações. Mas há algo no nu que provoca, que faz a fama sem deitar na cama. Potente o desnudar forma para inventar mais forma. Porque a gente sempre inventa uma forma de inventar forma. Que forma?
              Comecei então a pensar em outras coisas: músicas, gostava de muitas músicas, algumas produzidas por uma filosofia potente tal qual aquelas lidas nos livros filosóficos, com charme de pôr o pensamento para cantar e dançar. Dia 27 de março, Dia internacional do Teatro, me qualificava no dia 26. Lembrei-me da minha defesa de monografia pela Faculdade Angel Vianna - RJ, dia 27 de março de 2011, quando fora orientado pela primeira vez por Maria Helena Falcão. Naquele dia, li a mensagem de Augusto Boal, escrita em 2009, na qual ele destacava a relação composicional entre teatro e vida. Aguçando nosso olhar para as relações teatralizadas que vivenciamos cotidianamente, como aquela que agora protagonizava. Personagens, figurinos e espaços bem definidos, texto dramático com rigor linguístico invejável pelo dicionário, palco e plateia, conflito dramático, clímax e desfecho da trama.
               Depois pensei que o silêncio após tanta falação e escrita seria um bom exercício.
              Precisava criar um corpo ou um corpo qualificado pelo mestrado estava por ser criado. Mas o que pode um corpo? Ou, como se cria um corpo? E na Academia, como se cria um corpo? Com um texto? Ou o texto seria já corpo? Um texto cria corpo ou um corpo cria texto? O texto é corpo. Como corpo cria corpo? E o corpo põe-se como questão. Que corpo? Que corpo habita o território da Educação? Corpos educados. Corpos orquiectomizados? Que corpo cria Educação? Educação como corpo. Que corpo cria corpo educação? Que corpo cria corpo? Que corpo?
              Um corpo forma texto cria. Um corpo cria mais corpo na escrita. Corpo é escrita. Escrita é corpo. Corpoescritatecido lembrava também o trabalho com Nina, criador de tanto corpo. Agora, tanta coisa criava aquele corpo submetido à qualificação, porém composto por tanta coisa que não apenas acontecia na qualificação. Tempo do mestrado implodido por acontecimentos que arrombavam as paredes institucionais. Escrita da pele. Pensava: um vídeo com imagens que tem produzido corpo junto à pesquisa do mestrado, apesar de não fazer parte do cronos mestrado, por vir antes e por não está dito pela língua régia da pesquisa acadêmica, mas por outra língua que produz corpo. Corpo em produção. Corpo produzido. Corpo produzindo. Corpo que inventa corpo. O corpo assalta a cena.
              O corpo texto encontra + corpo em produção de mais corpo. Como corpoescritatecido, corpo cola no texto na produção de corpo. Corpo + imagem + texto + música + cola + corpo + papel + cola + corpo + música + texto + cola + cola + música + imagem + cola + texto + corpo + imagem + cola + texto + cola + corpo +++++++++++++++++ = forma = educação outra = corpo = nu.
Outro corpo. Outra produção. Outro possível. Uma garota é impedida de ficar nua na escola ou é permitida graças à um discurso adoecido: ela pode, coitada, é doidinha mesmo. Ela sempre fica nua, ela sempre causa constrangimento. Aqui o sempre não naturaliza, pelo contrário, constrange e desnaturaliza a atitude já esperada.  A paciente professora e amiga Cláudia Meireles problematiza por lá: e se experimentássemos outra coisa, e se experimentássemos o momento dela de experimentar o nu na sua nudez de possibilidade e não na ansiedade do desejo da expectativa por cobrir o corpo. A diretora responde cansada: já tentamos isso aí, outras coisas.
             Clarissa Alcântara comendo algumas frutas da banca provoca, experiência tem a ver com memória. Repetição com memória da o Mesmo. Repetição com esquecimento é diferença. E Claudia continua a repetir e repetir e repetir e repetir esquecendo os limites. Que diferença. Um corpo nu, mais uma vez. Quanto nu suporta Educação? Quando é que o corpo está nu? Que roupas? Que nu?
           Uma colagem que deveria proteger o nu dos olhares, que deveria encerrar-se e dar palavras aos outros, no encontro, rouba palavras. Encontra música, produz movimento que deixa o corpo ainda mais nu. Risco. Não havia planejado nada daquilo. Nada consciente. Deveria ter parado na primeira oportunidade, mas quando é que foi? O corpo nu que se produz na academia e poderia ser atacado pela academia, se protege com academia de muitos modos (devir animal, devir criança, resistência, blá, blá, blá, blá...): dois livros na frente de n sexos. Pudor? Talvez. No entanto, mais importante que forma nu é o movimento que a produz, movimento de invenção que potencializa outras formas impensadas, movimento caro a este território de muitos hábitos cristãos de escolares cátedras.
              Para um performer o nu é figurino obrigatório. Para um professor, assim como o chapéu de guizos de Larrosa[1], o nu é um exercício de resistência e por isso, de criação. Acabo de ser aprovado no exame de qualificação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF. Então, até nu defesa.




[1] LARROSA, Jorge. Elogio do riso. IN: LARROSA, Jorge. Pedagogia profana. Danças, piruetas e mascaradas. Autêntica: Belo Horizonte, 2000.












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