sexta-feira, 14 de junho de 2013

“Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos” – Perigo!!! Educação do controle



fonte: internet

“Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos”. Uma frase corriqueira a habitar territórios conhecidíssimos dos escolares: palestras, salas de aula, diretoria, secretaria, manuais pedagógicos... Agora, estampa a entrada de uma escola da cidade. De tão costumeira, ela soa como verdade absoluta e pior, absolutizável. Mas nela se esconde o que há de mais tenebroso nos sistemas de controle dos cidadãos: os pressupostos universais de normalidade.
Faz parte do senso comum reproduzir um discurso alucinado de que vale tudo para uma boa educação. Essa frase me perturbou durante um tempo, mas só agora consigo pensar violentado para tornar um pouco mais inteligível minhas inquietações. Esta afirmação está fundamentada em certo senso que limita outros tantos possíveis, seguem alguns, mas podem ainda haver outros tantos: que há um modelo eficaz de educação, que crianças são ingênuas e que não merecem ser punidas, adultos são casos perdidos e imutáveis, que toda educação não tem a ver com punição, que todo adulto que merece punição teve uma péssima educação, que toda criança que tiver uma boa educação será, com certeza, um adulto não infrator e por aí vai...
Pensando outras relações menos explícitas pelo senso comum, criadas na realidade produzida pela e na escola, esta frase pode perder seu caráter um tanto positivo e tomar ares fascistas. Pasmem, mas nenhuma teoria pedagógica é capaz de certificar que uma criança tendo acesso a certos tipos de informação, vá usá-los para o que todo mundo acha que é correto e bom. Cada sociedade, grupo social, indivíduo cria seus próprios valores em relação ao seu contexto. Nenhuma escola é igual a outra, mesmo sendo regida pelas mesmas leis. Mesmos as experiências educacionais mais bem sucedidas no Brasil ou no exterior não são totalizantes. Partem de realidades muito singulares e específicas.  Não é lendo ou gostando de Paulo Freire que serei capaz de fazer como ele. Esse talvez seja, ao contrário, o erro. Fazer como Freire fez é um erro, achar que serei capaz de pôr em prática assim como ele fez é algo de uma transcendência ingênua. Achar que é um método eficaz para formar cidadãos só tem criado isso que se vê: um monte de gente que lê Freire e o nega com mesma força de fascinação, como se, o que ele tivesse feito, fosse algo totalmente descolado da realidade da educação. Outro erro. Freire pensou o que penso intimamente implicado com os encontros na educação. No entanto, seu trabalho não pode ser lido como uma teoria construída, com eficácia garantida. É um recorte do caos, a melhor forma com que ele, juntos de outros, pode lidar com a realidade produzida por todos à sua volta, inclusive por ele mesmo. Mas saber que ele inventou muito serve para pôr pra pensar que é possível fazer de um modo diferente, sobretudo, diferente do modo de Paulo Freire, que é só de Paulo Freire.
Confunde-se ainda muito na escola a educação com punição, talvez por mais ingenuidade. Puni-se a criança para que o adulto não seja punido. Num amontoado de causa-efeito sem sentido algum. É de praxe alunos sem recreio, distribuição de pontos e mais pontos para participação em atividades, cópias e mais cópias. Talvez não seja ingenuidade como poderia apontar uma relação entre os estudos de Foucault (1987) e docilização dos corpos pelas instituições. Talvez não seja por acaso que a escola esteja repleta de um vocabulário que mais lembra prisões que a tal idealizada liberdade de aprendizagem: disciplina, uniforme, delegacia de ensino, controle rigoroso de horários, grades e mais grades que impedem de sair ou de entrar, pouco tempo para atividades livres e banhos de sol...
Educar crianças para não punir os adultos, ainda aposta numa impossibilidade de mudança perigosa. Quer dizer que um adulto infrator não pode mudar de conduta? Então, de fato, os sistemas de recuperação não estão falidos por acaso, é que os mesmos que querem educar, ou melhor, disciplinar e docilizar corpos infantis, são os mesmos que não acreditam e impõem situações degradantes aos encarcerados.
Mas o que estamos vivendo é que nem o sistema docilizador das escolas, nem o sistema judiciário-penitenciário tem dado conta de corpos infantis ou adultos. Na dúvida, tem-se punido crianças, adultos e com-fundido educação com punição.
Não acredito que existe ideal a ser atingido ou método educacional eficaz que impeça qualquer tipo de punição. Nem Paulo Freire, nem método chinês de aceleração do rendimento, nem educação estadunidense de crianças armadas para morrer... Educação talvez seja espaço para discutir outros modos de vida, inclusive, território no qual a punição deve ser sempre discutida, e educação também. Talvez quando atentarmos para que a educação pode muito mais que métodos eficazes de controle, possamos criar uma outra educação capaz de se perguntar sempre o que é punição e o que é educação: o que estamos ajudando a fazer de nós mesmos. Mais que acreditar numa educação que tem resposta pra tudo, talvez seja mais interessante investir numa educação que questiona certos pressupostos e senso comum, que paralisam e impedem novas criações.



FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões.  5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

Para pôr pra pensar mais:

FOUCAULT, Michel. Ética, política, sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. (Ditos e escritos; V).
O que estamos ajudando a fazer de nós mesmos? Por Luiz B. L. Orlandi 
Disponível em: http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/orlandi/que_estamos_ajudando.pdf

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