foto retirada da página https://www.facebook.com/TemasDeDanca/ |
Acabo de participar de um evento que se propôs a discutir dança no MAR, mas sem se molhar. O nome, muito sugestivo, Bordas do Corpo: dança, política e experimentação, finalização do projeto Temas de Dança – Estudo Itinerante. Ao longo de um dia passam à frente de uma plateia atenta e receptiva 15 convidados implicados entre corpo, dança, política e algo chamado no material de divulgação de “tensões entre dança e escrita”.
Filosofia, conceitos, literatura, causa indígena, indianista, social, árvore, manifestações de rua, ilha de Florianópolis, Sergio Cabral, Eduardo Paes, Copa, obras, mapa do Rio, comunidades, periferia, edital de fomento, Psicanálise, coletivos, resistência, ilha de Meiembipe, Esquizoanálise, Festival de Circo, ilha de Nossa Senhora do Desterro, Deleuze em suas mais variadas possibilidades de prosódia e entonação, acompanhado em alguns casos de Félix Guatari ou George Agamben, corpo. Mas e a dança? “Nossa proposta se alia ao gesto que desestabiliza as separações instituídas entre teoria e prática”. Sim, desestabilizado, provocado, penso.
Não que eu queira que houvesse esse ou aquele tipo de dança, talvez uma tentativa de dançar com palavras, com as cadeiras, com o aleatório da fala da mesa sem mesa, com o MAR... O mar e suas ondas, vento, sol, luz e muito barulho. Mar arrebenta em mim. Mas antes de dançar na academia é sempre preciso fazer um retrospecto, fazer um recorte da realidade, uma contextualização de tantos ignorantes àquilo que chamamos dança, porque dança, há muitas, corpo então. Já me incomodou mais esta relação de interesses muito utilitaristas entre academia e arte. Hoje pouco menos. Agora, me incomoda apenas quando a academia deixar de inventar arte, deixa de dançar quando era a única coisa que poderia ser feita em biologia, na Ciência da Computação, na Psicologia, na Zoologia, na Arte, na Dança. Arte como modo de produção que inaugura um novo mundo, sem se importar em reproduzir mundo ou sem se importa com a “recriação de questões que atravessam o cotidiano”, mas implicada com a criação de questões ou ocupada com as questões que atravessam o cotidiano, apenas produção de mundo. E aí vem, como dançar na Dança?
O que assisti fora pesquisadores muito a vontade com seus títulos de pesquisador, com sua representação de professores à frente de alunos. Articulados especialistas, sabidos, doutos, profissionais, seguros daquilo que faziam e da proposta do evento “encetam novos modos de relação com o mundo”, mas assentados demais, ignoram um mundo a sua frente. Não acho que seja impossível a relação entre arte e academia, aliás, a academia só vive quando faz arte. E muitos fazem isso muito bem embora o risco seja sempre presente de sermos engolidos, capturados, sequestrados por enfadonhos conceituais, discursos extremados de explicações e ideal de metodologia reproduzível. Vejo muitos artistas bem formados pela academia, artistas a serviço da academia, quase uma escola de samba em cadência pouco variada, que teme qualquer ousadia com medo de deixar o grupo especial e ir para o grupo de acesso na quarta-feira de cinzas, mesmo que a alegria do desfile seja intensa. Afinal, temos jurados e alguns, já jurados de morte. Mas quais outros possíveis entre arte e academia, sem ser arte acadêmica ou arte conceitual? O conceito é antes arte.
Não se trata de artistas formados para estar ou falar de arte acadêmica, pelo contrário, acadêmicos que inventam uma academia em arte. Como fazer um pas-de-deux de um parágrafo? Como fazer um arabesque de conceito e não o conceito de arabesque? Palavras dançantes e não coreografias rígidas de palavras de uma academia de dança que pretende cooptar os movimentos do corpo através de um sem sentido de muitos sentidos de uma tal dança conceitual. Continuo não entendendo o sentido de dança conceitual. Talvez dança de conceitos, conceitos corpo de baile que se veste para cerimônia de gala, mas em performance abala o esperado da etiqueta, como um Nijinski em noite de gozos de Fauno. Dança não é conceitual, dança é conceito, conceito uma multiplicidade de sentidos, um mundo a ser explorado para ser inventado.
Há sempre os que podem afirmar buscando a alegria na boa vontade, no discurso da importância do espaço, em estar no MAR mesmo sem nadar, um tal “campo de reflexão e de experimentação”. Continuamos a ocupar lugares da diferença com o mais do mesmo de sempre. Antes uma flexão corpo em dança que uma tentativa de recuperar algo que se perde na reflexão da memória caduca. Dançamos sem música. Há ainda os mais otimistas que apontam, mas graças a isso foi capaz de falar sobre isso, então serviu para alguma coisa. Servimos a muitas coisas, uma a arte a serviço de uma academia. Preferia estar dançando, talvez não tivesse ainda muita coisa a dizer a não ser em corpo movimento, só desejo de dança, mais nada.
Mas a diferença sempre se produz, é sempre produção. E da plateia cansada de tanta falação surge o grito: mas precisamos mesmo de dizer que o espaço é pouco, já que o pouco que conseguimos foi com muita dança? Conseguiremos dançando ou discutindo em mesas sem mesa? Os dois. O que precisamos fazer mais? Abalar o costume, o esperado da discussão com Eduardo Paes, Sérgio Cabral, com Dilma, só para falar da representação. Mas temos perdido muito tempo discutindo e esquecendo de investir no “gesto que desestabiliza as separações instituídas entre teoria e prática”, entre lugar para dança e lugar para discussão com fala, como se dançar já não fosse o próprio e autêntico discurso nosso. Cuidemos para não esquizofrenizar, aceitar os campos delimitados e artificializados pela neurose segmentária, separando dança da discussão, se ver que dança só pode ser discussão, senão acabamos mesmo é dançando.
E então o que nos resta? Resta corpo. Quando tudo já não resta resta ainda corpo, como grita, grunhe e articula Antonin Artaud na sua transmissão radiofônica pouco antes de sua morte “Para acabar com o julgamento de Deus”. Assusta quando o vemos tão asséptico, comportado, neurotizado, articulado e compreensível como recadinho inocente de amigos do colegial. Artaud dedica a você toda a sua loucura esquizofrênica e potente que escorre pelo corpo que nem mais se importa com órgãos e organismo ou organização.
Mas no passo de negação do filósofo como especialista em dança vem convite ao salto: o maior ato de transgressão do corpo é dança, diz Peter Pál Pelbart. Vualá! Põe todos para dançar! Faz meu pensamento abrir em en dehors, estirando o músculo sem aquecimento. O filósofo dança.
Temos sabido dançar no ritmo da academia há um bom tempo Coreografias em lattes, Capes e CNPq. Dançamos conforme a música. Mas há corpos que desarranjados pelo seu contemporâneo sem se importar com uma tal contemporaneidade, inventam suas próprias grafias, seu khoros singular na pura diferença do descompasso da música da academia mercadológica do corpo hipertrofiado, inventando arte na academia. Alguns como os Corpos Informáticos do centro do Brasil, que como dizem, mentem e fazem fuleragem e até publicam livros e preenchem lattes e latem também. "A arte trata, maltrata, trai a técnica ou a tecnologia." (MEDEIROS, 2011, p.16) A tecnologia uníssona academissista do passinho de baile, da coreografia de mercado do tchan, do Lepo-Lepo ou das Poderosas. É preciso trair e maltratar a técnica da regência dos corpos acadêmicos. Mas sem fatalismo ou ressentimento, afirmando que a vida é isso mesmo, guerra sem paz ideal e é preciso coragem como Guimarães e seus Sertões.
Temos sabido muito bem, rigorosamente bem justificar nossas danças em articulados ensejos filosóficos. Adequamos brilhantemente cada ato artístico ao discurso acadêmico. Embora nos afastemos em inversa proporção do discurso acadêmico como ato artístico. E não que seja impossível escrever arte ou escrever provocados pela dança, pelo teatro, outros já o fizeram com potência animadora como Jerzy Grotowski, Antonin Artaud, Constanin Stanislavski, Augusto Boal, Klauss Vianna, para citar poucos. Chegou o tempo em que fazer arte é urgente! E não se trata do modo x ou y de fazer arte, mas questionar o modo único que se tem praticado ao pensar arte na academia. Adequamos maravilhosamente nossa arte à academia. Ao passo que a academia grite por uma arte de não adequação. Talvez possamos ousar mais em textos acadêmicos dançantes, de seminários acadêmicos em dança e não apenas sobre dança. Talvez sobre a dança, encima da dança, assentados na dança, não em cadeiras, ou cadeiras dançantes. Quem sabe precisássemos dançar mais com editais, nos Palácios, nas ruas, nas reuniões das Câmaras, do Congresso assim como fez os Corpos Informáticos no pulando corda à beira do lago ou no pátio da Capes em Brasília, pulando corda nu, com apoio da Capes.
Temos sabido muito bem escrever sobre dança, teorizar sobre dança, discutir dança, fomentar dança, embora saibamos que é preciso mais. Engraçado ler filósofos que em certo sentido, ao fim de suas vidas, tenham se interessado em afirmar a arte como modo de vida, como Foucault, Nietzsche, Deleuze. Constrangedor ver artistas ao logo de suas vidas tentando adequar sua arte ao discurso da filosofia. Nem discurso, nem edital, nem reunião com o prefeito, nem verbas. Contudo, tudo isso merece ser discutido, mas só isso, discutido. Mas quem sabe dançado. Mas quem sabe que dança? Como discutir dança? Qual a coreografia que precisa ser inventada, experimentada? Temos sabido estar na academia de dança, mas dançamos pouco ou dançamos apenas o lepo-lepo acadêmico travestido em assistencialismo social ou discurso de educabilidade quanto é preciso mais arte de saneamento, mais arte de escola, mais arte de segurança, mais arte em trabalho digno, mais criação. No encontro Vulnerável do dia anterior, na UERJ, com o filme "Corpo Santo" de Maurício Dias & Walter Riedweg + Juliana Franklin + Júlio Verzstman, na desdobra do trabalho artístico produzido no Instituto de Psiquiatria, IPUB/UFRJ, Peter Pál Pelbart na saga pelo Rio de Janeiro, afirma que a Cia. Ueinzz nasce no contexto hospitalar lembrando que para produzir mais vida, foi preciso ultrapassar os limites das instituições da loucura, foi preciso abandonar literalmente "A Casa", lançando uma a fala terapêutica para curar qualquer ressentimento idealista. Chegou o tempo de matar o tempo para que o tempo não nos mate sem divagar. Lembrando que temos sabido fazer nosso dever de casa, da academia, do Estado, da vida muito bem. Mas que devemos ainda fazer sem dever nada a ninguém? Uma academia em arte grita por mais dança na academia, na rua, na favela, no MAR, no mar, pois temos tomado muito cuidado conceitual para produzir dança, quando dança é um conceito, conceito não confundido ou fundido em palavra, talvez uma fusão de palavra, uma fundição, uma usina de produção, de modo de ação que põe corpo para funcionar.
Temos sabido muito bem escrever sobre dança, teorizar sobre dança, discutir dança, fomentar dança, embora saibamos que é preciso mais. Engraçado ler filósofos que em certo sentido, ao fim de suas vidas, tenham se interessado em afirmar a arte como modo de vida, como Foucault, Nietzsche, Deleuze. Constrangedor ver artistas ao logo de suas vidas tentando adequar sua arte ao discurso da filosofia. Nem discurso, nem edital, nem reunião com o prefeito, nem verbas. Contudo, tudo isso merece ser discutido, mas só isso, discutido. Mas quem sabe dançado. Mas quem sabe que dança? Como discutir dança? Qual a coreografia que precisa ser inventada, experimentada? Temos sabido estar na academia de dança, mas dançamos pouco ou dançamos apenas o lepo-lepo acadêmico travestido em assistencialismo social ou discurso de educabilidade quanto é preciso mais arte de saneamento, mais arte de escola, mais arte de segurança, mais arte em trabalho digno, mais criação. No encontro Vulnerável do dia anterior, na UERJ, com o filme "Corpo Santo" de Maurício Dias & Walter Riedweg + Juliana Franklin + Júlio Verzstman, na desdobra do trabalho artístico produzido no Instituto de Psiquiatria, IPUB/UFRJ, Peter Pál Pelbart na saga pelo Rio de Janeiro, afirma que a Cia. Ueinzz nasce no contexto hospitalar lembrando que para produzir mais vida, foi preciso ultrapassar os limites das instituições da loucura, foi preciso abandonar literalmente "A Casa", lançando uma a fala terapêutica para curar qualquer ressentimento idealista. Chegou o tempo de matar o tempo para que o tempo não nos mate sem divagar. Lembrando que temos sabido fazer nosso dever de casa, da academia, do Estado, da vida muito bem. Mas que devemos ainda fazer sem dever nada a ninguém? Uma academia em arte grita por mais dança na academia, na rua, na favela, no MAR, no mar, pois temos tomado muito cuidado conceitual para produzir dança, quando dança é um conceito, conceito não confundido ou fundido em palavra, talvez uma fusão de palavra, uma fundição, uma usina de produção, de modo de ação que põe corpo para funcionar.
E como provoca Peter, dançar é uma revolução, sobretudo na academia. Fica o convite à dança na academia, na rua, no texto, na vida! Porque fazer conceito é coisa de filosofia, não de artista. Quem sabe de artistas em filosofia, quem sabe... Então, quais danças ensaiamos agora? Fica o convite ao próximo passo.
Referência:
Referência:
MEDEIROS, Beatriz de. Pesquisa em arte, linguagem da arte ou Como escrever sobre o pensamentocomocorpointeiro. In.: AQUINO, Fernando; ______. (Org.) Corpos Informáticos. Performance, corpo, política. Brasília: Editora PPGA, UnB, 2011.
gostei do texto. tenho minhas observações sobre alguns dos filósofos citados e meus reclames e tudo mais, porém, seu texto tá show!
ResponderExcluiruiaa queridaaa... vixxee este texto tem um tempo, né... estávamos juntos por lá, não é mesmo. Aquele fim de semana foi mágico e muito potente, perseguindo o Pal do Peter. rs
ExcluirObrigado pelo carinho da leitura. Conte um pouco sobre os reclames e tudo mais!!! eis a criação compartilhada!
beijooo
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