Acabo de participar de uma
oficina que reativou uma marca produzida no VI Seminário Angel Vianna, ano
passado, pela fala de Marcos Costa[1]:
arte não produz conhecimento. Claro, a assertiva produziu naquele momento, um
incômodo tamanho, sobretudo, nos artistas presentes conscientes, que há tanto
lutam por afirmar e legitimar o território da Arte como uma área do Conhecimento.
Uma Ciência. Com isso, ao participar da teia proposta por Paola Zordan[2]
acabo de perceber que não é só a arte que não produz Conhecimento, mas que, de
fato, o Conhecimento não existe!
foto: Nina Veiga |
Ao pensar sobre nomadismo, conceito
corriqueiro em nossas discussões nas filosofias da diferença, me dei conta do
nomadismo em que ora me colocava, ora era colocado. Nomadismo que não tem,
necessariamente, relação com o trânsito espacial capaz através de uma viagem de
ônibus, a pé, de avião, a cavalo ou drogado. Mas um deslocamento no mesmo
lugar, um desabituar ao ambiente corriqueiro, do dia a dia, do cotidiano. Algo
da ordem de pensar que num momento sou filho, sou brasileiro, sou professor,
sou artista, sou homem, sou mestrando, e em outros momentos, isso não tem
sentido algum. Mais do que algo patológico, como um distúrbio de personalidade
ou transtorno de humor psicologizado e tratável, normatizável, isso se
apresenta como um exercício de existência. Não reconhecer a escola, a família,
a cidade, o gênero ou programa de pós-graduação a mim impostos ou que em
determinado tempo, fora escolhido por mim. Um estranhamento tremendo, um
estrangeirismo não significado, a “sensação de nunca ter existido”,
parafraseando Beckett.
foto: Paola Zordan |
O mais louco é que esta sensação que
me torna um estranho, um nômade no mesmo lugar, que para alguns poderia criar
uma paralisia assustadora, acaba por criar uma multiplicidade de possibilidades.
Quando fazia Letras não me identificava tanto com a sala de aula, corri para Ouro
Preto. Quando fazia Artes Cênicas, o palco não fora suficiente para criar cena,
por isso fui à performance. Quando na performance, a sala de aula se tornou um
palco possível para criação de um professor. Quando professor, pensando a formação de
professor, vi que era impossível uma forma. Quando fui buscar outra forma, fui
lendo e experimentando e trocando e indo a Congressos e ou Seminários e fui à
Angel Vianna, fui dar trabalho no
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF. E com os encontros, com as
oficinas e discussões que se seguem estou aqui...
Desafiando qualquer
lógica de progresso ou evolução positivista passei por caminhos antes inimagináveis,
impossíveis de serem metologizados (impossível dizer que, caso você faça o que
eu faça, vá chegar a algum lugar, se é que cheguei em algum lugar que mereça
ser recomendado) por que afinal, conhecimento não existe.
Fizeram-me crer por
um longo período da minha vida, pelo menos uns vinte e sete anos, que muito
havia sido criado, um-quase-tudo. Que estávamos, na verdade, num período único
da História, uma tal Contemporaneidade, em que era necessário aperfeiçoar o que
já está criado, enfim, tudo está criado e descoberto. Que há coisas que são
impossíveis de não se conhecer para produzir outras coisas, para não correr o
risco de descobrir que já haviam sido descobertas há algum tempo. Há 100 livros
que merecem ser lidos antes de morrer, há 100 cds que precisam ser escutados
antes de morrer, há cem filmes que merecem ser assistidos antes de morrer, há
cem obras de artes que precisam ser vistas antes de morrer... Há tanta coisa
para ser reconhecida e conhecida antes de morrer, que sobra pouco tempo, penso
eu, para perceber a morte. Ou para morrer. Só rindo muito, muito e muito. Porque
riso não é tempo perdido é tempo estendido na fugidia existência, só os
palhaços sabem (será!?rs)
Esquizofrenicamente.
Como um bricoleur[3].
Alegro-me por estes felizes encontros que me fazem pensar, provocado pela
indagação spinozista o que pode um corpo[4],
penso: o que pode uma sala de aula? Não se sabe. Pode muito. O não conhecido.
No entanto, sei
alguma coisa. A sala pode dizer e produzir, criar! Dar forma ao novo, que por
sua natureza de invenção, o novo, não é forma predeterminada ou conhecida.
Afinal, novo não é aquilo que não se conhecia antes, que abala o conhecido, que
surge como outra possibilidade? Se queremos criação em nossas sala de aula (Queremos?),
invenção, por isso novo, não podemos crer que há conhecimento. Se queremos (queremos?)
o novo e se temos sede de novo não podemos investir no conhecido, na forma
estabelecida, no cronograma proposto, no letivo.
Reconheço este
espaço conhecido e instituído da escola, faço este movimento de produção e
questionamento do conhecimento investindo num não saber, partindo daqui, de
dentro da escola. Paradoxo, não!? Na invenção. O problema do nosso tempo não é
se damos conta de que o conhecimento ou o acúmulo de toda informação produzida
em tempos digitais é impossível. Mas é que, na verdade, os modernos não perceberam
que o que eles tinham reunido em suas enciclopédias não era todo o conhecimento
do mundo, mas informações já reconhecidas, invenções já obsoletas. Mas que
sozinhas não criavam nada, já, sim, haviam sido criadas!
Por não reconhecer
ou conhecer, por não me identificar com este espaço da Educação instituída pela
História do Conhecimento, sinto-me mais livre para mover(-me) neste território
e quem sabe, criar outros territórios possíveis de serem habitados. O
professor, isso não é diferente com o de Arte, antes de entrar em sala de sala,
sabe o que deve ser ensinado, transmitido, conhece e deseja que seu aluno reconheça
o que foi produzido. O aluno diante de tanta produção, de tanto conhecimento,
em outra produção, cria outra (s) coisa (s). Hoje, muito relacionado ao
fracasso escolar, vide os índices de avaliação da educação. O professor, então,
frustra-se com tamanha ignorância discente.
A inocência docente
beira a idiotice e a mediocridade. Refém de um sistema que reproduz muito, que teme
o novo e que se apropria das invenções alheias impondo-lhe valores e roubando-lhe
patentes mortas, o professor se martiriza. Permitam um adendo: muitas obras
artísticas que figuram como obras valiosas em grandes museus, foram, no passado,
criadas para justamente criticar o mercado de arte, como as obras do francês
Marcel Duchamp ou do brasileiro Hélio Oiticica.
Sem querer
estabelecer um conhecimento, talvez a saída para que o professor não se sinta
um fracassado é perceber sua capacidade de invenção. O que não tem nada a ver
com este heróico trabalho midiatizado e idealizado que a educação começa no
professor, isso não se sabe. Mas para que não tenhamos alunos fracassados,
fruto de professores frustrados uma possibilidade que se abre para múltiplas possibilidades
inimagináveis é perceber que o conhecimento é apenas informação, que os alunos
estão em produção que questiona o tempo todo o re-conhecimento, tendo muito
mais dificuldade em re-conhecer formas. Diferente do professor que já
re-conhece seu lugar vitimiza(do)r. Conhecimento é apenas informação!
Fantástico! Possibilidade para invenção! O que o conhecimento não sabe é: - Não
se sabe o que pode uma sala de aula.
Eis o nosso desafio,
eis as possibilidades.
[1] Mauro Sá Rego Costa
é Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Baixada
Fluminense/UERJ. Coordenador da Oficina Híbridos - Mídia e Arte Contemporânea -
do LABORE – Laboratório de Estudos Contemporâneos. Coordenador do Laboratório
de Rádio UERJ/Baixada. Membro da Associação Comunitária de Comunicação,
Educação e Cidadania de Vila S. Luís – Rádio Kaxinawá
[2] Oficina “Teia: enredar,
pensar, aprender”, acontecimento do NEC/FACED/UFJF, dias 18 e 19 de março de
2013. Paola
Basso Zordan é doutora e mestre em Educação, bacharel em Desenho e Licenciada
em Educação Artística pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Professora da área de Didática das Artes do Departamento de Ensino e Currículo
da UFRGS, atua como supervisora de Estágio de Docência do curso de Licenciatura
em Artes Visuais, do qual é membro da Comissão de Graduação, coordenando o
subprojeto ligado a este curso para o Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (Pibid/Capes). Na mesma instituição é professora do
Programa de Pós-graduação em Educação na linha Filosofia da Diferença junto ao
grupo DIF: artistagens, fabulações e variações.
[3]“A satisfação do bricoleur, quando liga alguma coisa à corrente elétrica, quando desvia um
conduto de água, seria muito mal explicada por um jogo de “papai-mamãe” ou por
um prazer da transgressão. A regra de produzir sempre o produzir, de inserir o
produzir no produto, é a característica das máquinas desejantes ou
da produção primária: produção de produção.” O anti-Édipo de
DELUZE&GUATTARI, p. 18
[4] Ver mais Nietzsche
e Deleuze, Que pode o corpo,org. D. Lins, Relume Dumará, Rio de Janeiro,
2002.
E como me inquietou (ainda inquieta) a fala do Mauro! Arte produz conhecimento? Ainda martela. E como é bom esses questionamentos! Será possivel "enquadrar" a pontência artística, que experimentamos com as singularidades do nosso corpo, por meio "conhecimentos" que generalizam, discursos de cima pra baixo (árvore) - e aí vai a neurologia entrar em várias grades dos programas de pós-graduação en dança: cristalizar; colocar cercas por meio de um discurso biológico. Naturaliza-se, quando a criação nos leva à imanência, a desterritorializações. Mas a entrada desses conceitos biológicos, parece-se reterritorializações. “A diferença só deixa, com efeito, de ser um conceito reflexivo e só reencontra um conceito efetivamente real na medida em que designa catástrofes: sejam rupturas de continuidade na série das semelhanças, sejam falhas intransponíveis entre estruturas análogas.” (DELEUZE) Pensando alto viu... O seu post me afetou e me moveu. Grande abraço.
ResponderExcluirAlegres encontros, Maurício. Sem dúvidas as suas relações de força - lembro-me daquelas suas inquietações - estão aí jogadas nestes texto, é uma construção!
ResponderExcluirObrigado por pensar alto lá e aqui! Continuemos a pensar alto e muito alto, porque ainda tem muitos ouvidos surdos entupidos de Conhecimento!
obrigado pela bela passagem e de Deleuze.
Um forte abraço e até breve!