quarta-feira, 27 de março de 2013

“E se Jesus renunciasse? O que seria do mundo?” Possível resposta aos pastores[1] de Feliciano




Depois de algumas coisas que vêm acontecendo fui forçado a pensar após ler esta frase em apoio ao Deputado Marco Feliciano: “E se Jesus renunciasse? O que seria do mundo?"

Foi irresistível, incontrolável, e fui pensando: Se Jesus renunciasse, talvez nem saberíamos que existiu um homem chamado Jesus. Paulo e outros discípulos não seriam perseguidos, torturados e mortos. A Igreja Católica não teria sido criada e com ela, os territórios conquistados em nome de Deus, encarnado em Homem, não seriam conquistados. Famílias não teriam que oferecer à Igreja, mesmo à contra gosto, o seu primogênito em sacrifício ao Papado. Não teríamos Papas. E todas as suspeitas de relações tenebrosas entre Estado e Igreja não teriam acontecido. Milhares de mulheres não teriam sido queimadas, acusadas de bruxaria. O que se entedia como Conhecimento não seria encarcerado em monastérios e seminários. Não haveria Index. A Igreja não controlaria durante muito tempo e definiria quem pode ou não ter acesso ao Conhecimento. O riso não teria sido proibido durante séculos. Homens e mulheres não teriam que negar seu sexo entregue ao Deus que condena ao pecado os prazeres da carne que Ele criou. Não haveria o Segundo Testamento, e as atrocidades de Reis continuariam a dominar e a decidir o destino de seus súditos, representando a divindade terrestre. O povo continuaria como povo de Abraão em busca da Terra Prometida. Continuariam em busca de Canaã. E continuam. A Reforma não teria acontecido, e não haveria Lutero, e não haveria Anglicanismo. E não haveria Contra-Reforma, e Cruzadas que dizimaram povos e culturas em nome da fé. E não haveria mais uma vez a aliança escabrosa entre Estado e Religião. E não haveria Jesuítas, e não haveria povos nativos da terra brasilis sendo obrigados a negar suas crenças e hábitos. E não haveria aquela passagem bíblica em que Jesus se irrita no Templo de Seu Pai transformado em salão de comércio, quando é impelido pelo soldado romano e responde: “Dai a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus.”(Mt 22, 21) Não haveria Igreja Evangélica, Universal, Batista, Presbiteriana... Haveria um monte de deuses greco-romanos, afros, nipônicos, hindus, chineses, escandinavos, deuses nativos de cantos diferentes da terra duelando entre si. Não haveria o Círio de Nazaré, nem o sincretismo bahiano. Nem a polêmica em torno da novela “Salve Jorge” e relação com o Candomblé. Ainda haveria judeus e muçulmanos. Não teria havido Nazismo. Não haveria Auschwitz e todas as mortes nas câmaras de gás. Não haveria mitos dos Templários e do Santo Grau. Não haveria o 11 de setembro de 2011. Não haveria a célebre tela da última ceia de Leonardo da Vince. Não haveria Páscoa. Não haveria chocolate na Páscoa. Não haveria uma imensidão de Santos que merecem ser rezados e admirados, dignos de serem transformados em estátuas. Não haveria Igrejas Cristãs Iconoclastas. Não haveria Igrejas Cristãs. Não haveria o “Anti-Cristo” de Nietzsche. Não haveria pastores cristãos. Não haveria Padres, Papas, Madres. Não haveria virgens sagradas, mas sangradas. Pois ainda haveria sacrifícios de virgens. Não haveria cobrança de dízimo em nome de Jesus. Esta talvez fosse a ação mais coerente com [in]existência de Jesus. Só é possível não pedir dízimo em nome de Jesus (o que talvez, fosse mais cristão) apenas se Jesus não existisse. Paradoxal, né!? Não haveria sessões de descarrego, de exorcismo em nome de Jesus. Não haveria um vídeo de um pastor cristão pedindo a senha do cartão do banco de um fiel de Jesus, em troca da entrada do céu. Não haveria a imagem de Jesus de olhos azuis, barba ruiva e pele branca, apesar de ter nascido longe do Cáucaso. Não haveria todos os partidos políticos cristãos brasileiros. Não haveria um monte de gente que prega a humildade, a pobreza, o respeito agindo contrariamente, durante muito tempo. Não haveria o voto dos cristãos. Não haveria um crucifixo em cada repartição pública, nem a oração do pai-nosso antes de entrar para sala de aula. Não haveria o Pastor Marco Feliciano. Não haveria esta postagem. E todos os protestos que se seguiram após a eleição da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

É! Talvez não houvesse muita coisa boa produzida pelo amor de Jesus. Mas também não haveria uma infinidade de atrocidades cometidas contra seres em nome de Jesus. Assusta-me um discurso religioso carnado na máquina do Estado (a História só mostra estragos). Que todo mundo tenha sua fé, que possam exercer sua prática e que o Estado assegure os direitos de cada um, assim espero. Por hora,
acho possível haver outra pessoa, inclusive cristã, mais competente para ocupar a Presidência da CDH. Não me importa a dúvida a existência de Cristo e Marco Feliciano não me representa e não tem representado (nem os seus seguidores representam) os Direitos Humanos e sua multiplicidade.


[1] Assim chama a reportagem do jornal “O Tempo” aqueles que seguram a faixa em apoio ao Deputado Marco Feliciano. Disponível em http://www.otempo.com.br/noticias/ultimas/?IdNoticia=379332 . Acesso em 26/03/2013.

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