quarta-feira, 27 de março de 2013

As maravilhas do bullying às avessas



             Era o primeiro ano do Ensino Médio. Apesar de não ter estudado o Fundamental naquela escola, a mudança estava quase superada. Havia alguns velhos amigos que me acompanharam com a mudança e outros tantos novos amigos encontrados no novo colégio.
            A sala já era familiar: o caminho até portão, o número quatro vezes maior de alunos no pátio, na hora do recreio (em relação a minha antiga escola), a agitação do fim do turno com aquele estridente sinal, ou melhor, uma sirene ouvida por toda vizinhança. Apesar de longe da minha casa, o caminho até a escola já não parecia tão longo. Alguns professores eram potencialmente amigáveis e admiráveis. Outros, desde a primeira aula, fadados a uma relação estritamente aluno-professor, pautada na nota e no desejo de ser aprovada ao fim do bimestre letivo.
            Parecia ser uma garota agitada, com fama de briguenta (apesar de não achar, mesmo, nada disso, alguns achavam) Viam-me como uma aluna sempre pronta a dizer minha opinião, quase uma líder setorial da sala. Isso eu concordo em parte. Sempre briguei por aquilo que acreditava. Sentava-me acho que nas primeiras carteiras, mas mantendo contato com todos os contos da sala, inclusive com os meninos. Sempre atenta à aula, por mais chata e desinteressante que fosse, gostava de um bom silêncio para ouvir e ser ouvida. Mas isso nem sempre fora possível. Adorava conversar sempre que possível também. E rir e às vezes fazer piada sobre os professores.
            Meu nome é Alice. Aquele mesmo das histórias de Lewis Carroll. Criava mundos de maravilhas e possibilidades quase sempre alegres. Embora, nem sempre fosse possível sorrir. Um dia, já familiarizada com o caminho ao banheiro, sai. Na volta dou de encontro com uma garota mal encarada – sabe esses biótipos bem encrenqueiros, que encontramos em diferentes lugares e em diferentes formas, em diferentes filmes escolares? Pois ela era a atualização disso tudo! Olhou-me de cima a baixo; fez cara feia e franziu tanto a testa que pareceu que seu rosto se transformava em ondas de pele. Nem sei mais se ouvi ou se transformei aquela imagem em som, mas uma frase ficou na minha cabeça: – Vou te pegar, menina.
            Fiz de desentendida. Graças a Deus, meu corpo já sabia o caminho de volta à sala. Porque, apesar de não ter parecido, estremeci toda! Não conseguia pensar onde estava. Seguiram-se as aulas do segundo e terceiro horários. Fim do recreio. Início do quarto horário. Uma amiga veio até a sala e, numa rapidez galopante, através do vidro, pela janela, ao mesmo tempo em que o professor entrava em sala de aula, ela me disse: – A Juliana disse que está esperando você na hora da saída. E foi-se.
            Estremeci. Nem sei que cara fiz. Meu mundo caiu, como diria Maysa. Meu Deus!!! Uma briga em plena saída. Na nova escola. Como assim? O que havia feito de errado para despertar tamanha ira? Ter ido ao banheiro? Ter tido vontades fisiológicas incontroláveis? Ter nascido? Medo. Sentimento incontrolável. Sabe o que é gelar o corpo inteiro, apesar do calor infernal do fim de verão? Assim me senti. Não podia acreditar em tamanha imbecilidade. O que minha mãe iria pensar o respeito disso? Ela, professora de outra escola, sabendo que a filha iria apanhar (sim! Porque, certo que eu também daria uns bons tabefes, e já pensava estratégias de ataque e defesa, de arrancar aquele coque mal feito numa mãozada só.) o que pensaria? Como se sentiria?
            Quinto horário. Inacreditável aquela situação. Estômago apertado. Nem lembro quem entrou na sala. Boca seca. Não estava acreditando naquilo. Será que eu olhei de algum jeito estranho e ameaçador para ela? Será que eu sou amiga de alguém de quem ela não gosta? Como eu, que nem sei brigar, a não ser com minhas irmãs para não arrumar a casa, posso ser ameaçada dessa forma? Sinal para saída. Boa tarde! Disse o professor ou a professora, sei lá! Vou à diretoria. Tarde demais. E o que vou dizer? Meu país das maravilhas se tornara mirabolante em estratégias de pegar cabelo, unhar, esquivar. E claro, correr, correr, correr o quanto eu pudesse, apesar das pernas endurecidas.
            Vergonha. Era esse meu maior sentimento. Quando vi de pé, à minha frente, em meio a tantos corpos uniformizados, transeuntes, ignorantes a respeito do meu perigo, parei. Minha tensão se esvaiu numa olhada só. Era Alice no país das maravilhas com uma cabeça tão criativa, que nem o Chapeleiro Maluco seria capaz de pensar em perigo semelhante imposto pela Rainha de Copas. Talvez uma boa saída aqui seria cortar a minha cabeça.
            Parei de pensar. A única coisa que fui capaz de fazer foi abrir meus braços, o sorriso e chamar pela minha amiga: – Juliana, sua sumida! Você nem imagina como é bom vê-la! Se encontrei aquela garota mal encarada de novo? Não. Não mesmo. Vai ver ela seguiu o Coelho e acabou entalada numa daquelas portinhas minúsculas das maravilhas da minha cabeça.

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