Era o primeiro ano do Ensino Médio.
Apesar de não ter estudado o Fundamental naquela escola, a mudança estava quase
superada. Havia alguns velhos amigos que me acompanharam com a mudança e outros
tantos novos amigos encontrados no novo colégio.
A sala já era familiar: o caminho
até portão, o número quatro vezes maior de alunos no pátio, na hora do recreio
(em relação a minha antiga escola), a agitação do fim do turno com aquele
estridente sinal, ou melhor, uma sirene ouvida por toda vizinhança. Apesar de
longe da minha casa, o caminho até a escola já não parecia tão longo. Alguns
professores eram potencialmente amigáveis e admiráveis. Outros, desde a
primeira aula, fadados a uma relação estritamente aluno-professor, pautada na
nota e no desejo de ser aprovada ao fim do bimestre letivo.
Parecia ser uma garota agitada, com
fama de briguenta (apesar de não achar, mesmo, nada disso, alguns achavam)
Viam-me como uma aluna sempre pronta a dizer minha opinião, quase uma líder
setorial da sala. Isso eu concordo em parte. Sempre briguei por aquilo que
acreditava. Sentava-me acho que nas primeiras carteiras, mas mantendo contato
com todos os contos da sala, inclusive com os meninos. Sempre atenta à aula,
por mais chata e desinteressante que fosse, gostava de um bom silêncio para
ouvir e ser ouvida. Mas isso nem sempre fora possível. Adorava conversar sempre
que possível também. E rir e às vezes fazer piada sobre os professores.
Meu nome é Alice. Aquele mesmo das
histórias de Lewis Carroll. Criava mundos de maravilhas e possibilidades quase
sempre alegres. Embora, nem sempre fosse possível sorrir. Um dia, já
familiarizada com o caminho ao banheiro, sai. Na volta dou de encontro com uma
garota mal encarada – sabe esses biótipos bem encrenqueiros, que encontramos em
diferentes lugares e em diferentes formas, em diferentes filmes escolares? Pois
ela era a atualização disso tudo! Olhou-me de cima a baixo; fez cara feia e
franziu tanto a testa que pareceu que seu rosto se transformava em ondas de
pele. Nem sei mais se ouvi ou se transformei aquela imagem em som, mas uma
frase ficou na minha cabeça: – Vou te pegar, menina.
Fiz de desentendida. Graças a Deus,
meu corpo já sabia o caminho de volta à sala. Porque, apesar de não ter
parecido, estremeci toda! Não conseguia pensar onde estava. Seguiram-se as
aulas do segundo e terceiro horários. Fim do recreio. Início do quarto horário.
Uma amiga veio até a sala e, numa rapidez galopante, através do vidro, pela
janela, ao mesmo tempo em que o professor entrava em sala de aula, ela me
disse: – A Juliana disse que está esperando você na hora da saída. E foi-se.
Estremeci. Nem sei que cara fiz. Meu
mundo caiu, como diria Maysa. Meu Deus!!! Uma briga em plena saída. Na nova
escola. Como assim? O que havia feito de errado para despertar tamanha ira? Ter
ido ao banheiro? Ter tido vontades fisiológicas incontroláveis? Ter nascido?
Medo. Sentimento incontrolável. Sabe o que é gelar o corpo inteiro, apesar do
calor infernal do fim de verão? Assim me senti. Não podia acreditar em tamanha
imbecilidade. O que minha mãe iria pensar o respeito disso? Ela, professora de
outra escola, sabendo que a filha iria apanhar (sim! Porque, certo que eu
também daria uns bons tabefes, e já pensava estratégias de ataque e defesa, de
arrancar aquele coque mal feito numa mãozada só.) o que pensaria? Como se
sentiria?
Quinto horário. Inacreditável aquela
situação. Estômago apertado. Nem lembro quem entrou na sala. Boca seca. Não
estava acreditando naquilo. Será que eu olhei de algum jeito estranho e
ameaçador para ela? Será que eu sou amiga de alguém de quem ela não gosta? Como
eu, que nem sei brigar, a não ser com minhas irmãs para não arrumar a casa,
posso ser ameaçada dessa forma? Sinal para saída. Boa tarde! Disse o professor
ou a professora, sei lá! Vou à diretoria. Tarde demais. E o que vou dizer? Meu
país das maravilhas se tornara mirabolante em estratégias de pegar cabelo,
unhar, esquivar. E claro, correr, correr, correr o quanto eu pudesse, apesar
das pernas endurecidas.
Vergonha. Era esse meu maior
sentimento. Quando vi de pé, à minha frente, em meio a tantos corpos
uniformizados, transeuntes, ignorantes a respeito do meu perigo, parei. Minha
tensão se esvaiu numa olhada só. Era Alice no país das maravilhas com uma
cabeça tão criativa, que nem o Chapeleiro Maluco seria capaz de pensar em
perigo semelhante imposto pela Rainha de Copas. Talvez uma boa saída aqui seria
cortar a minha cabeça.
Parei de pensar. A única coisa que
fui capaz de fazer foi abrir meus braços, o sorriso e chamar pela minha amiga: –
Juliana, sua sumida! Você nem imagina como é bom vê-la! Se encontrei aquela
garota mal encarada de novo? Não. Não mesmo. Vai ver ela seguiu o Coelho e
acabou entalada numa daquelas portinhas minúsculas das maravilhas da minha
cabeça.