quinta-feira, 3 de maio de 2012

un collage


“DONA MARGARIDA: bom dia para todos. Eu sou a nova professora de vocês. Como vocês já devem saber eu sou dona Margarida. Vou escrever no quadro que é pra vocês se lembrarem. (Escreve: dona Margarida) Agora, antes de mais nada, eu gostaria de me familiarizar um pouco com vocês. Antes de eu dizer umas palavras sobre a importância do magistério. Tem alguém aí chamado Messias? Não? E Jesus? Tem alguém aí chamado Jesus? Não? E Espírito Santo? Não? Não mesmo? Ainda bem. Aliás, o diretor já tinha me dito que vocês eram uma classe ótima. Não há boa professora sem uma boa classe. Eu estou achando é que esse quadro-verde está um pouco longe. Está dando para vocês enxergarem? Vocês lá de trás? É muito importante que todo mundo veja o quadro-negro. Dona Margarida vai escrever uma palavrinha nele para ver se vocês estão vendo. (Escreve CU) Viram? Cu! O quadro-verde é mesmo muito importante para aprender leitura. E história. E matemática. E geografia. (Volta-se para o quadro e desenha ineptamente um pênis) Estão vendo? Isso é um cabo. Digamos o cabo da boa esperança. É geografia isso. Mas como eu dizendo, é preciso dar relevo e mostrar para vocês a importância da função da professora, da minha função. Porque, afinal de contas, nenhum de vocês está aqui por livre vontade. Todos foram obrigados pelos pais a vir prá cá. Todos sem exceção, não é? Todos estão aqui obrigados: quer queriam quer não queiram. Deve haver uma boa razão para isso. A razão é muito simples. Dona Margarida explica logo a vocês. Vocês já notaram que comigo é assim: dona Margarida vai lodo explicando as coisas pra vocês. Mas a razão que eu ia dizendo... ah, por que vocês estão todos aqui sentados em suas carteiras sem terem podido escolher... a razão é muito simples. É que a escola é um segundo lar.(...) Vocês têm que se conformar que aqui dentro dessas paredes vocês não mandam nada.” ROBERTO ATHAYDE “47. Onde quer que a neurose religiosa tenha aparecido na Terra, nós a encontramos ligada a três prescrições dietéticas perigosas: solidão, jejum e abstinência sexual – mas sem podermos decidir, com segurança, o que aí é causa ou é efeito. Justificativa a última dúvida o fato de, entre os sintomas mais regulares, tanto nos povos selvagens como nos domesticados, achar-se também a volúpia mais repentina e extravagante, que de modo igualmente súbito se transforma em convulsão de penitência e negação do mundo e da vontade: ambas interpretáveis como epilepsia mascarada, talvez? Aqui, mais do que em outra parte, deve-se renunciar à interpretação: em torno de nenhum outro tipo se desenvolveu até agora tanta insensatez e superstição, nenhum outro parece haver interessado mais os homens, inclusive os filósofos – seria tempo de precisamente aqui tornar-se um pouco frio, aprender a cautela, melhor ainda: afastar a vista, afastar-se. – Mesmo no fundo da filosofia mais recente, a de Shopenhauer, encontra-se, quase como o problema em si, essa horrível interrogação da crise e do despertar religioso. Como é possível a negação da vontade? Como é possível o santo?(...)” FRIEDRICH NIETZSCHE “O artista é um homem que não pode se conformar com a renúncia à satisfação das suas pulsões que a realidade exige. O artista dá livre vazão a seus desejos eróticos e fantasias. A realidade interdita o tempo todo. Desde coação social até a gramática. A obra de arte se caracteriza pela transgressão, por não obedecer a gramática.” SIGMUND FREUD[1]  “A performance é uma pintura sem tela, uma escultura sem matéria, um livro sem escrita, um teatro sem enredo... ou a união de tudo isso...” SHEILA LEIRNER[2] “A utilização da collage na performance resgata, dessa forma, no ato de criação, através do processo de livre-associação, a sua intenção mais primitiva, mais fluída, advinda dos conflitos inconscientes e não da instância consciente crivada de barreiras do superego.” Renato COHEN “226. Nós, imoralistas! – Esse mundo que nos concerne a nós, no qual nós temos que temer e amar, esse mundo quase invisível e inaudível, de comandos e obediências sutis, um mundo de ‘quase’ em todo sentido, espinhoso, insidioso, cortante, delicado: sim, ele esta bem protegido de espectadores grosseiros e curiosidade confiante! Estamos envoltos numa severa malha de deveres, e dela não podemos sair – nisso precisamente somos, também nós, ‘homens do dever’! Ocasionalmente, é verdade, dançamos com nossas ‘cadeias’ e entre nossas ‘espadas’; com mais frequência, não é menos verdade, gememos debaixo delas e somos impacientes com toda a secreta dureza do nosso destino. Mas não importa o que façamos, os imbecis e as aparências falam contra nós, dizendo: ‘Estes são homens sem dever’ – sempre temos os imbecis e as aparências contra nós!” FRIEDRICH NIETZSCHE “...o teatro refunde todas as ligações entre o que é e o que não é, entre a virtualidade do possível e o que já existe na natureza materializada. ...O teatro devolve-nos os nossos conflitos dormentes e todas as suas potências e dá a essas potências nomes que aclamaremos como símbolos...” ANTONIN ARTAUD[3] “137. “No trato com eruditos e artistas, é fácil equivocar-se em direções opostas: por trás de um erudito notável encontramos não raro um homem medíocre, e por trás de um artista medíocre – um homem muito notável.” FRIEDRICH NIETZSCHE “A arte se torna inimiga do artista, pois nega-lhe a realização que ele deseja – a transcendência.” “O silêncio no sentido de término, de uma zona de meditação preparatória para um amadurecimento espiritual, uma provocação que acaba na conquista do direito de falar.” SUSAN SONTAG[4].


REFERÊNCIAS:

ATHAYDE, Roberto. As peças precoces: Apareceu a Margarida e outras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2009.

NIETZSCHE, FRIEDRICH. Além do Bem e do Mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução, notas e posfácio Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.


[1] FREUD apud COHEN, Performance como linguagem, 2009.
[2] LEIRNER apud COHEN, idem.
[3] ARTAUD apud COHEN, idem.
[4] SONTAG apud COHEN, idem.

Um comentário:

  1. transgredir pela sensibilidade que conduz à escuta dos nervos do corpo, do corpo-mundo. em todos os seus detalhes. sentindo as vozes das vísceras, tocando com a língua a ferida. acariciando o grito do desejo, lançando como vento.

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