Reality Show
Close. Seja você no máximo que puder ser. Autêntico. Real. Único mesmo. Mesmo que periférico, se estiver linkado, através do blog do twiteiro mais famoso do facebook, com certeza criaram uma comunidade no finado Orkut, para divulgação de seu vídeo no youtube. Se não for nesta ordem, alguns desses termos se tornaram fórmula de sucesso na atualidade. Não importa muito a obra, importa quem postou, que comentou e compartilhou.
Oiticica já está em Inhontim: mesmo que cheirado pelos olhos e penetrado pela academia experimentalista.
Já não tem sentido fazer arte contemporânea. A arte perdeu sua função – ainda pior, conquistou uma no espaço-tempo pós-moderno dilatada.
É vazio inevitável, esvaziado é hora de relembrar, longinquamente, o Manifesto de Marinette.
Queime os Museus, as bibliotecas, renunciemos a qualquer alusão a arte conceitual, ao conceitual de arte. Morreu.
Voltemos à vida. A vida doída, difícil, marginal, mas viva! Mas também bela, mais bela que arte, que se supera e opera no todo.
Nem mesmo Burle é capaz de ser de dar conta de penetrar Oiticica. Ele foi penetrado, parangolizou. Viveu o balanço, a cor da favela, e antes, experenciou. Não leiloou.
É imoral. É antiético. Antiestético. É ineficaz manter Duchamp nos museus.
Vamos cheirar todo oiticica, quebrar a fonte de Duchamp, quem sabe assim alguém se move, se dói, me mata e faz vida. Ocupar vazios dos bits, das esquinas, das pontes, dos arranha-céus, com vida.
O fim da arte
A arte existe porque existe o humano. A arte é humano. A arte fala do humano pelo humano. Como ser humano sem ter humano?
Pregaram vida na arte, Stanislaviski, Grotowski, Barba, Artaud. O humano está condenado: estamos fazendo arte para os mortos: somos aquilo que comemos, logo, somos velhos, sem dentes, esqueléticos, carecas, pálidos, de língua enrijecida.
Arte não é história. Arte está criando história. E quando se torna história, já não é mais arte.
Dos experimentos
Stanislaviski não é possível viver um SE não vivê-lo de verdade. Grotowski não pode fazer teatro se não parar de representar. Barba, teatro é antropológico.
Mas Artaud não fundou o duplo do teatro, mas a própria unicidade da arte: não faz nenhuma peça porque sua vida foi a Arte. Testemunhou em cada escrito, em cada proposta, em cada experimentação, vivo!
Arte é vida!
“teatro e a verdade escondida” “teatro é forma de vida”, Augusto Boal.
Não nos serve nenhuma destas pesquisas sobre arte, tantos museus. Arte é vida, não pode ser enclausurada, adorada como um ídolo, sem v i d a.
Não nos tem valido olhar dia a dia para obras, objetos, locais, se não olharmos o humano.
Quebremos, enterremos, destruamos todas as obras de arte, todas as instalações, todos os objetos. Tudo que puder nos desviar o olhar do humano que agora agoniza frente a nós, atrás dessa quinquilharia de banheiro.
Esses olhos viciados que teimam ver mais do que não existe. Que busca ilusão.
Nossa arte não tem vida.
Temos que descobrir a vida para de novo voltar à arte ou quem sabe nem precisaremos mais dela.
Afinal, arte é a incapacidade do humano de ser claro com suas mazelas, de encarar a finitude da vida; é a necessidade de buscar no outro um olhar acolhedor, compreensivo, medíocre.
Ande, vamos viver!
Estou vivendo. Se não der certo alguém escreverá sobre ele. Continuemos os experimentos do Flávio: 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10...
Que cada experimento seja uma experiência de algo ainda não experimentado, de algo a ser vivido, vívido.
Que bom que não acredito em reencarnação, porque senão acreditaria ser o próprio Duchamp pagando seu carma.
Enterre a arte. Vá viver. E destrua isso.
Tecnologia
Certo que a arte é feita dos meios de seu tempo. Por que não se apropriar da tecnologia?
É tempo de denúncia. Denunciar a tecnologia que nos afasta pouco a pouco do humano.
Paradoxo.
É da natureza humana construir, produzir, cultivar, desenvolver-se tecnologicamente.
A tecnologia não nos afasta do humano, ela é o próprio humano. É humana.
O corpo humano é tecnologia. Resultado de uma adaptação e seleção de milhares de anos. É da natureza ser tecnológico. A natureza é a pura tecnologia.
Noção falsa a do humano achar que controla a tecnologia. A natureza já a fez. Essa natureza que negamos, mas que é a própria geradora de sua questão.
Fomos condenados por todos os deuses. Eles nos deram a consciência de ser falidos, finitos, ‘morríveis’.
Observamos um cachorro, ignorante da condição humana, incomoda-se com a presença de outro próximo ao seu dono. Ladra ferozmente, força, mobiliza cada centímetro de seus músculos para proteger o dono de seu melhor amigo humano.
Ele ignora, a priori, a relação do dono com aquele outro, estranho. Protege seu dono como única coisa a ser feita, não teme a morte, pois a ignora. Daqui a pouco, seu dono trocará sua presença canina pela presença única, pela única presença de seu amigo humano, para viver a humanidade com seu amigo humano.
Terá a sorte o cão de vê-lo ainda no mesmo dia. Mas mesmo que demore horas, dias ou meses, o reencontro com seu humano, dono, será como o primeiro: vivo!
Dirá você: mas o cão é o melhor amigo do homem. Não. É o homem que tem dificuldade de fazer amizades.
Construímos carros para chegar mais rápido. Paramos nas filas de engarrafamentos intermináveis. Processamos a comida para comer melhor, não comemos mais porque nos tornamos alérgicos. Fazemos balé, trabalhamos, cursamos línguas, freqüentamos cultos religiosos, não podemos descansar.
Temos que fazer TUDO, mas cada vez mais, temos mais vontade de fazer NADA.
Paremos de lutar contra a natureza. Nós somos a própria natureza. Não a natureza suprema, consciente, inteligente, racional. A natureza limitada, mas articulada com o todo. Não precisamos buscar entender o todo, tudo: o impossível. O todo se inventa, se transforma a cada instante por causa de suas partes menores.
Vivamos a parte, não à parte (impossível!), a parte humana. Nem mais, nem menos: plenos de humanidade.
Certos que morreremos, porque essa condição, mais que apatia, nos cria uma desafio: que será amanhã? Irá depender mesmo do hoje. Não existe ontem, nem amanhã sem hoje. O ontem se constrói hoje ao pensar sobre o acontecido; o amanhã se constrói hoje ao realizarmos o agora na incerteza do que virá.
Fazer, fazer, fazer... parar de pensar. Não dissociar pensar de fazer. Fazer é o próprio pensar. Pensar é criar.
Inventamos redes sociais virtuais. Somos incapazes de ouvir um “não” do outro. Somos insensíveis ao problema do outro que é nosso também. Mas achamos que temos que sensibilizar o outro como nosso problema cotidiano.
E mais fácil bloquear, deletar, postar uma frase de efeito, que efetivamente diga aquilo que você não temos coragem de dizer, ou pior, de ouvir, de sentir.
Bloqueamos, deletamos porque tememos ser. A virtualização apenas potencializa o que á atual. Isto é o sonho do inconsciente que é mais consciente do que se imagina. Mas isso a psicologia lacaniana, freudiana, deu conta de explicar. E o que tem valido em termos de mutação? Nada.
Poderíamos deletar todos os perfis virtuais, quebrar todos os aparelhos eletrônicos, mas de nada adiantaria: isso é humano e impossível de reverter, tampouco necessário. Mas seria a solução radicalmente mais eficaz.
[ARTE]
A vida não suporta conforto. A vida não é confortável. A existência não é amena. É violenta. Sofrida. Primordialmente: um parto. O parto de cada dia.
Nesta vida cultural contemporânea humana tecnológica faço um apelo artístico: sede violenta! Porque lugar ainda potente de violência criativa é a arte. Mas não digo da violência da obviedade midiática. Dessa violência da invasão policial nos morros, das conversas políticas, das discussões dos diferentes, da imposição das ideias, das obras de Gil Vicente.
Essa violência é falida. Historicamente ineficaz. Tantas guerras no mundo antigo, europeu; duas guerras mundiais, civis, guerra fria, cambial, religiosa. Estamos como estamos, numa reatividade violenta e coletiva.
Escrevendo sobre arte. Absurdo!
Falo da violência individual ativa. Não individualista. A de se por em perigo. Não expor o outro ao perigo. É se matar, se violentar. Não se fixar no abrigo seguro do saber. É não saber, destruir o sabido. É ver a morte sem temê-la, mas não paralisar-se.
Porque não somos deuses, ou somos os deuses de nossas vidas. E como deuses, podemos nos matar, uns aos outros, em nossas santidades.
Desafio: não apáticos, amenos, conformados, nem mesmo niilistas, pessimistas, mas vivos.
Dispor de vida. Dispor de prazer. Onde o gozo não é o fim, é apenas um descanso para outro gozo. E outro! E a dor virá. E o gozo também. Dor e gozo.
Mas nem dor nem gozo move. O que move é o desejo. Desejo de vida. Desejo de desejo. Desejo é intensidade. Não gradação. Dor e gozo são próprios do desejo, instantes passageiros.
Será possível hoje fazer arte sem fazer vida.
Preciso ver na vida arte; ver na arte vida.
Artistas-pedreiros. Artistas-médicos. Artistas-motoristas. Artistas-educadores. Artistas-engenheiros. Artistas-fotógrafos. Artistas-donas-de-casa. Artistas-atletas. Artistas-farmacêuticos. Artistas-artistas.
Todos criadores de vida.
Na incapacidade de viver o atual, virtualizamos nossos direitos.
Temos a necessidade de sermos vigiados para que façamos alguma coisa. Sempre frente a deus. Ao olhar que sabe tudo, vê tudo. O olho de deus ex machina. Agora, o maquínico olhar. Exibimo-nos e nus.
Cuidado, você está sendo vigiado.
Sorria, você está sendo filmado.
Virtualizamos nossas relações, nos aprisionamos numa rede controladora. Mais e mais. Estamos assistindo e sendo assistidos, afronta a nossa privacidade. Virtualidade é apenas uma faceta do real. Temos que atualizar mais. O atual no liberta da vigilância, impossibilita o controle do olhar repressor, é a realização da potência do virtual. Sem o atual o virtual é só virtual. Atualizemos o virtual, virtualizemos o atual, numa contínua troca.
Cuidado: não vivemos na democracia. Vivemos na ditadura da moda, do comportamento moralista, do consumo crescente. E sabemos algumas conseqüências.
Havemos de nos libertar. Será que precisamos de tanto, se os beneficiados são poucos?
Quem são os beneficiados?
Artistas-inventores
Artistas, aprendamos com o grande Santos=Dumont. Ou não tão grande assim, pequeno na estatura. A arte está morta, falta nos matar junto dela.
Esqueçamos nossa assinatura. (Ai Duchamp, Barthes, já disseram sobre isso!) Santos=Dumont quis unir duas nacionalidades tão distintas. Brasil=França. Verdade ingênua. Ora fomos colonizados por eles, por isso nos tornamos. Comemos seu pão de ló, vestimos seu soutien, e ascendemos o abajour para ler Baudelaire.
Santos=Dumont não pateteou nenhum de seus inventos. Inclusive sua máquina voadora mais pesada que o ar. Foi respeitado enquanto vivo, digno de homenagens francesa e brasileira.
Foram 14 bis. Não assinou nada. Só o fez. Há quem tenha dúvidas – os norte-americanos ou estadunidenses, para alguns – a respeito do “Pai da aviação”.
Nós brasileiros, sedentos de reconhecimento intelectual, escrevemos preto no branco, que ele é o pai. Mas solteiro. Quem é a mãe? Dúvidas.
Não percamos tempo. Santos=Dumont não quis ser O inventor, porque queremos ser artistas?
O fato é: o avião voa, e Santos=Dumont voou um dia. E morreu, devidamente registrado pela história incerta, ao ver seu invento matar.