quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A carta de Palocci põe fim ao mito Lula - tempo das epístolas golpistas

A suspeita se confirmou. A segunda carta de Antonio Palocci (porque a primeira tem muito a ver com a segunda), Homem forte dos Governos Lula, ajuda a destruir o mito Lula inventado pelo PT e alimentado por grande parte da oposição incompetente. Aqueles que se sentiram traídos por Lula e pelos governos do PT enquanto massa homogênea tem oportunidade única de expurgar da culpa moralista cristã (pleonasmo necessário neste momento) dos hastags #ACulpaÉSuavotouNoLula #ptralhas #LulaLadrao. Para isso faço aqui uma transcrição da transcrição da carta de Palocci que pode ser facilmente encontrada na íntegra na internet:

“Sei dos erros e ilegalidades que cometi e assumo minhas responsabilidades. Mas não posso deixar de destacar o choque de ter visto Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo.”
– Com o pleno emprego conquistado, com a aprovação do governo a níveis recordes, com o advento da riqueza (e da maldição) do pré-sal, com a Copa do Mundo, com as Olimpíadas, “o cara”, nas palavras de Barack Obama, dissociou-se definitivamente do menino retirante para navegar no terreno pantanoso do sucesso sem crítica, do “tudo pode”, do poder sem limites, onde a corrupção, os desvios, as disfunções que se acumulam são apenas detalhes, notas de rodapé no cenário entorpecido dos petrodólares que pagarão a tudo e a todos. (…) Nada importava, nem mesmo o erro de eleger e reeleger um mau governo, que redobrou as apostas erradas, destruindo, uma a uma, cada conquista social e cada um dos avanços econômicos tão custosamente alcançados, sobrando poucas boas lembranças e desnudando toda uma rede de sustentação corrupta e alheia aos interesses do cidadão. http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/carta-de-palocci-revela-proposta-de-leniencia-do-pt/

Chego a ficar emocionado com o tom de reconhecimento dos erros, da confissão quase religiosa pronto para ser absolvido com uma meia dúzias de pai-nossos e aves-marias que certamente o padre Moro lhe receitará. Fico perplexo como a carta é carregada de senso comum e de um cinismo que beira à psicose, pois embaralha os códigos, sobrecodificando encima daquilo que todos esperam ouvir: Lula é ladrão. Como pode Lula, sendo pobre ter se corrompido? Logo ele, tão Lula... gente como a gente. Nem tanto... Até agora não só não provaram que Lula foi corrompido, como parece mais clara sua articulação para que a corrupção fosse legada a um passado sombrio.

Palocci não é Geddel que era do PMDB; não é Delcídio, que já fora do PSDB até chegar ao PT, não era Collor que fora adversário de Lula e depois pousou ao seu lado... Palocci é um dos fundadores do PT, um dos Homens fortes do governo Lula e, diferente de Lula, sempre foi de classe média, médico, filho de artista plástico ítalo-brasileiro; entendia muito da luta entre “classes”, sobretudo de onde vinha. Pessoas como Palocci (e não é para demonizá-lo, apenas como constatação) nunca serão corrompidas, pois já estão, tudo em nome da "boa intenção". Não pensam que política pode ser de outro modo. Para eles, é impossível vencer o sistema-fantasma, é impossível um trabalhador se governar, ele sempre precisa de um patrão. Acostumamo-nos a ver o PT como um partido majoritariamente de trabalhadores, isto graças ao uso da imagem que fizeram de Lula (tanto à esquerda, quanto à direita). No entanto, no PT sempre tiveram Paloccis, Genuínos, Josés Dirceus ao lado de lula's... O PT não ganhou porque se aproximou do PMDB. O PT ganhou porque esses que lá já estavam, conheciam muito bem o jogo dos interesses político-partidários-de-mercado-de-classe-media. (Em 2002 foi a primeira vez que Lula teve que participar de uma prévia dentro do Partido dos Trabalhadores antes de ser candidato a eleição). Não por acaso a primeira cartinha escrita por Palocci foi a “Carta aos brasileiros” que, na verdade, fora uma “carta aos banqueiros, grandes empresários, agronegociantes...”, em 2002, se comprometendo em não transformar o Brasil numa Cuba sul-americana. Afinal, os pobres sempre quiseram o Lula. Ou qualquer coisa que não fosse o governo anterior, até então. Já a classe média, não.

Lula foi usado pelo PT com sua conivência e consentimento como mito conciliador de um desejo medíocre de parte de uma elite acometida por uma abominação ética, cognitiva e política (para ficar nas palavras de Chauí). Ao ser transformado em mito, Lula foi tentando produzir um modo de resistir e inventar políticas outras possíveis para a política partidária nacional. Começava o fim do mito, mesmo que não conscientemente desejado.

É uma abominação ética, uma ingenuidade, ou melhor, um desespero da moral escravizada a atitude de Palocci... aqui na Terra é condição sermos pobres e escravos, porque no céu seremos ricos e libertos... por isso todo sofrimento na Terra será compensado no céu! Tolinho!!! Palocci faz isso ao dizer que Lula tinha tudo e não fez as reformas necessárias (tributária, concessão das mídias, previdência, trabalhista, etc.) porque não quis. Mentira. Ele se esquece, não por acaso, que parte da aprovação do governo a níveis recordes” de Lula foi produzida por uma prática já comum nos governos do PSDB de Fernando Henrique Cardoso e que só posteriormente foi nominada de “mensalão do PT”. E que depois levou à investigação do “mensalão do PSDB mineiro”, motivo pelo qual Eduardo Azeredo renunciou ao cargo de Deputado Federal em 2014. E parece óbvio que a investigação não chegou ao “mensalão do FHC”, durante o Governo Lula por um acordo entre alguns do PT, do PSDB e do PMDB, junto da mídia, do STF e tudo mais, que provavelmente tenha sido encabeçado por Palocci que era um dos líderes do Governo e que fora pego num escândalo por corrupção através de um recibo de um empregado seu. Ademais, o Governo Lula nunca teve maioria absoluta no Congresso para realizar reformas (lembra da reforminha da Previdência que Antonio Palocci conseguiu fazer no Governo Lula? risível). O Governo Dilma (que não necessariamente é Dilma) só obteve maioria graças ao que vemos hoje sendo investigado pela #lavaJato e pelas articulações do hábil Eduardo Cunha em manipulação com Michel Temer, o vice traidor dono de outra cartinha. (Poderíamos chamar este nosso período político como “as epístolas golpistas brasileiras”). E aí chega ao outro ponto.

A segunda carta de Palocci deixa claro o ressentimento que tomou conta da ala do PT que era povoada por correligionários de, poderíamos chamar assim, Palocci-lulado, no momento em que Lula escolhe como sucessora Dilma Rousseff. O mito estava a dois passos de ser desfeito. Embora Lula seja atacado, com muitas razões por ser machista, ao escolher por Dilma ele abriu outros possíveis que ele mesmo não poderia controlar. Tudo que o Brasil precisava não era de mais um “Lula”, mas de alguém que soubesse governa, independente de mitos; precisava de uma mulher que não tivesse dívida alguma, amizade alguma, mito algum a se reverenciar, apenas seu trabalho, já que ela mesma fora parte de alguns sucessos do governo anterior em relação à administração e ao desenvolvimento econômico. Isso, inclusive, foi propagandeado por parte da imprensa, ao apontar Dilma como a “cabeça” do Governo de Lula, tese logo abandonada em nome do machismo falocêntrico que domina nossa política institucional.

A mídia atacou Dilma desde a primeira campanha presidencial, forçando um distanciamento, que era real, entre ela e Lula. Distanciamento desejado por Lula, pois soube se esquivar de uma traição ao não envolver Dilma ou ao não denunciar Palocci e outros tantos... e soube fazer a melhor estratégia que era se retirar do poder, colocando alguém que não poderia ser manipulada nem mesmo pelas forças políticas que o compunha. (De onde vocês pensam que saíram grande parte dos achincalhes machistas que Dilma sofreu em relação ao modo de governar? Não apenas da oposição, com certeza.) Lula estava a um passo para deixar de ser mito, para se tornar mais um bom governante, caso o Governo Dilma superasse a crise política agravada pela crise econômica. Ou uma crise econômica totalmente implicada com a crise política. Ou tudo retroalimentava-se.

E aí vem a abominação política praticada por Palocci, quando diz que o Governo Dilma desfez o que por anos estava sendo feito. E desfez mesmo: até agora está provado que Dilma não manobrou para impedir as investigações da Lava Jato (como aconteceu com o mensalão. E inclusive, Palocci teve que se afastar do governo quando então Ministro da Casa Civil foi denunciado por corrupção); desonerou as empresas que já existiam em quase meio bilhão de reais para garantir a manutenção do emprego e retardar a reforma trabalhista (na esperança do trabalhador se conscientizar, coitada!); subsidiou a energia para tentar barrar a inflação e continuar a baratear a produção, na esperança de regularização das commodities internacionais e a manutenção do consumo a varejo interno, ao invés de distribuir dinheiro através de contratos para construção de estágio da Copa do Mundo, Vila Olímpica ou contratos com poucos grupos empresariais através de subsídios do BNDES com JBS, Odebrecht’s... E mais: a política de desoneração das empresas atacada pela oposição no Governo Dilma (leia-se PSDB, DEM, PMDB e os nanicos do Congresso) e endossada por Palocci, até hoje não foi revogada pelo Governo Golpista de Temer. Se tal política foi um erro, por que ainda vigora? Se os golpistas são maioria, por que ainda não mudaram? Eis o modelo que este senhor Palocci e grande parte dos políticos e parte de uma sociedade enganada, potencializa: que venham as mudanças, contanto que sejam mantidos os nossos privilégios. Mas isso dito por Palocci e Aécio Neves e Temer funciona de um único modo... significa: que os pobres sofram muito primeiro para nunca mais desrespeitarem o sistema.

Não se trata de endeusar Lula ou Dilma. Lula se desfaz enquanto mito não por ser um pobre vislumbrado pela riqueza e pelo poder, mas por abdicar do poder. Lula já estava afastado das articulações do PT desde a eleição de Dilma. E isso a mídia também divulgou. Em junho de 2013, os políticos envolvidos na Lava Jato viram uma oportunidade de enfraquecer Dilma e o seu governo (e aí leia-se petistas também). A ala golpista do “Volta Lula quero ter de volta um cargo no governo do PT” pouco fez para defender Dilma. A ideia era enfraquecê-la para que voltassem ao poder com Lula. Mas Lula descartou a hipótese e ao mesmo tempo, começaram uma perseguição descomunal a Lula, dando-lhe de presentes Sítios em Atibaia, Triplex mal reformados, pedalinhos enferrujados... para se livrarem das condenações. Enfraqueceram Dilma e junto a isso, quase matam Lula.

O Brasil hoje é o retrato da moral do escravo: que é explorado na Terra pelo senhor, dá sua alma a um Deus do céu, na esperança que Deus condene, após a morte, o seu senhor. Um Deus de escravos e não um Deus de nobres, no qual o pobre tem o dever de ser pobre, bom e escravo; porque o rico, sabemos, apesar de livre na Terra, é mal e já está condenado a escravidão celeste eterna. Liberdade passageira, só na Terra mesmo... Nesta lógica, caso existam suspeitas que pobre roubou é melhor condená-lo logo. É o retrato do nosso sistema prisional que não apenas prende ladrão de galinha, como mantém preso inocentes por faltas de provas. É o retrato da nossa condição moral que não permite que homens sejam bons governantes se não forem grandes santos ou demônios.

A nossa moralidade cínica tem desejado o extremismo da moralização das ações em Bolsonaros e Militares. Tem acreditado na máxima de todo político é corrupto enquanto espera pelo político exemplar, como se fosse coisa nata!

A destruição do mito Lula ajuda a pensar nas diferenças produzidas pelas ações dos homens lulas e mulheres dilmas. É que Lula e Dilma não são formas, mas devires. Não são políticos por vir, são os políticos possíveis e por serem possíveis, serão sempre perseguidos, como deveria ser qualquer outro.

O fim do mito Lula é momento para pensar que Palocci’s moralizados pelo Padre Moro não pode condenar alguém sem provas, porque não estamos no Juízo Final que apenas diz o que o outro fez a partir das anotações de seus caderninhos. Estamos na Terra e são necessárias provas para que haja condenação. Não podemos mais aceitar condenações por convicção, por carta, por moralismo; não podemos mais esperar por mitos (bolsomito, jamais!). Não podemos mais esperar por políticos santificados! Incorruptíveis! Temos que exigir a condenação de todos comprovadamente corrompidos! Não apenas com falação e preconceitos! Podem ser Eleições Gerais, Reforma Política por Constituinte, Revogação do Impeachment... Sei lá! Povo e Povo e Povo! Não podemos mais nos deixar ser enganados por este engodo de senhores ricos ladrões que exigem do pobre comportamento exemplar! Não podemos mais cair nesta lorota de banir um candidato e apenas um partido das eleições! Não podemos nos acovardar diante deste GOLPE tão cínico! Exijamos condenação! São pessoas em partidos que cometem crimes! O exemplo é a condenação de todos os corruptos junto às provas e não apenas de um suspeito porque foi pobre! Outras coisas precisam ser feitas. Sem provas, nunca! Quem deve condenar ou absolver Lula não é Palocci e nem Moro e nem a imprensa, nem nós, mas a Justiça. Mas temos visto que o sistema prisional brasileiro tem preferência por pobres, negros e nordestinos. E isso, nós, o Povo, não podemos admitir! Não podemos admitir que continuem a deixar soltos os que gozam na nossa cara diariamente no transporte do que é público!

Estejamos atentos e nada ressentidos. Palocci vai tarde e, por isso, Lula realmente foi um grande companheiro.


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