domingo, 17 de junho de 2012

Arte sandumonense: criação com muito Choro

Você já pensou como é o trabalho de um produtor cultural no Brasil? Quais as possibilidades de captação de recursos para a realização de um projeto? Entende de leis de incentivo municipais, estaduais ou federal? Parceria pública ou privada? Muito difícil?
Meu amigo descobriu outro: o Choro.
Uma cidade pequena do interior de Minas Gerais – nem tão interior, já que Santos Dumont é mais próxima ao litoral do Rio de Janeiro que da capital mineira, Belo Horizonte, que, sim, fica de fato, no interior do estado; sim, em comparação a cidade de Juiz de Fora, SD está mais ao interior do estado, deste modo, trata-se então, de uma cidade do interior do litoral de Minas Gerais.
Como grande parte das pequenas cidades, SD não possui muitos recursos financeiros ou pensa-se assim. Inclusive para área de cultura. A cidade abriga, ainda, em uma mesma Secretaria as áreas de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, consequentemente, existem escassos recursos e/ou leis em vigor específicas de incentivo a produção artística local. Mas nada como um bom choro para resolver adversidades.
Um jovem músico, mas experiente artista, um legítimo sandumonense, cansado e/ou esgotado, paciente de ouvir negativas a respeito da situação de apatia que parecia instalada na cidade – bem diferente dos áureos e esplendorosos memoriais de grandes carnavais e encontros sabáticos nos clubes da elite do passado – Tiago Guimarães resolve cortar as asas da imaginação e decide metamorfosear ideia em ação.
Sem uma política estatal específica, sem coletivo de coletivos instituídos que não fosse seu próprio desejo compartilhado de realizar trabalho, buscando uma valorização de uma tradição da cidade, faz-se Choro – samba com muito choro.
Assume para si e com outros a responsabilidade ética de chorar por/com arte. Vai a comerciantes e poderes públicos um pouco individuais, apresentar sua “propost[ação” – porque o movimento já havia começado. Consegue verba, estipula prazos e marca encontros. Ensaios de desejo e outros ensaios de muitos convites. Falta o público.
Os grandes salões do passado? Os novos espaços não acessíveis interessantes e de interesseiros? Os espaços engajados?
vista panorâmica da feira livre. foto facebook
Que nada. A escolha foi livre, à feira. Livre. À beira da linha férrea, na antiga estação de trem, que aguarda há muitos anos sua reforma para poder ser chamada de Centro Cultural. Estação de encontro de trens, sons, pessoas, de gerações em geração, de desejo, de ideias, de realidades, de ação. Feira de domingo com Choro feito de muito choro, de cheiro de café moído na hora, de música, cacarejo de galinha, de couve molhada e alface verdinha, de som que cala a multidão, de olhares atentos às belas moças que tocam – o que diriam os tradicionais!? – Sim, elas tocam e junto deles, encantam a todos!
E a pergunta se alastra feito oferta da barraca doce de D. Madalena: “de onde são estes músicos tão talentosos?”
Um sorriso maroto, de menino ainda, de alegria não contida no encontro sem choro, mas de muitos aplausos: “somos daqui mesmo, sandumonenses.”
Não por acaso ou por acaso do encontro, a poucos metros está a sede dos primeiros encontros, o antigo Conservatório Artístico e Musical Johann Sebastian Bach, hoje, CEMAM – Centro Municipal Artístico e Musical - local em que quase todos já passaram como estudante ou professor, assim como Tiago que continua professor e, agora, aluno de Licenciatura em Saxofone da Unicor.
Os mais velhos maravilhados, os mais novos curiosos. Da tradição, do desejo de ver resgatado o trabalho de grupos como “Carinhoso”, surge um novo. Encontro de múltiplos produtos da terra na feira de domingo de sons.
Do rigor ético, estético e político que diz Suley Rolnik, em seu texto Pensamento, corpo e devir: Uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico acrescento outro, o econômico. Ético por assumir um projeto de valorização daquilo que acredita, encarando desafios, superando-os de forma criativa. Estético por não esmorecer frente a um mercado “tchun tchan”, imediatista, frívolo e opressor. Político por agir nas possibilidades, afirmando as potencialidades singulares de sua ação. E econômico por fazer-se produto consumível por aquilo que é, assumindo o risco de não ser por aquilo que o mercado impõe como consumo.

encontro entre "Carinhoso" e "Feira com Choro"

O jeito Tiago de Chorar com arte junto de todos não deve servir como modelo, mas como exemplo de forma outra de fazer do desejo motor, invenção, frente a tantas impossibilidades. E dizer: sim, é possível criar o novo partindo do velho. Inclusive, é sempre tempo de problematizar leis e fundos de incentivo vigentes, que se utilizam de recursos públicos arraigado em regime de mecenato de promoção privada.

É hora de alegria, de realidade, de superação, de criação, de vida, de música, de Choro. Apoiado numa tradição respeitada por seu criador, o encontro “Feira com Choro” acaba por criar outra tradição, assim, contemporânea, no sentido extemporâneo que não se identifica mais com o silêncio de quinze em quinze dias; que toma conta do domingo de manhã. Bom, que, para bom choro, é sempre bom o tempo para tomar fôlego para com Choro, consumir-se na feira inteira.

Parabéns a todos que fazem desse encontro arte!
Então, até o próximo domingo.
Público no encontro - "Feira com Choro"


“Feira com Choro” é id[r]ealizado por Tiago Guimarães - responsável pela captação de recursos junto aos comerciantes e aos órgãos governamentais locais - teve seu início em fevereiro de 2012.  Acontece aos domingos, às 9h da manhã, de quinze em quinze dias durante a feira livre da cidade de Santos Dumont -  MG. Todos os músicos e musicistas são naturais da cidade. A programação vai até outubro de 2012, recebendo sempre, em cada encontro, um convidado diferente.
o grupo em apresentação "Feira com Choro"


Composição do grupo:
Alysson de Vasconcelos - Violão
Conrado - Pandeiro
Gabriela Amorim - Flauta Transversal
Luiza Andressa - Sax Tenor
Rafael Yung - Cavaquinho
Tiago Guimarães - Sax Soprano




Mais informações e fotos:

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A arte é comunicação não-linguística...

"A arte é comunicação não-linguística, voz do corpo e cor do grito. Trata-se de criar um outro do discurso, a ordem do grito. Grito do ser humano. Significações incertas. A indeterminação é desejada: obra aberta. Esse grito não diz nada.

Todo palavra daqueles que se manisfestam contra algo afirma o que negam. O grito da arte não grita nada. Ele é sopro escamoteado, voz catastrófica. Ele rasga a totalidade de nosso ser, de nosso corpo. Ele esvazia. Nega, por sua força, a totalidade dos corpos tensos. Comunicação não-linguística. O grito da arte não grita nada, ainda que ele pronuncie palavras, como no teatro e, por vezes, na performance, ou em trabalhos que se utilizam da palavra mesmo, como Barbara Kruger ou Wilton Azevedo. Esses textos não falam apenas o que as plavras dizem. O conteúdo da arte é sopro e som. Ele arranca a totalidade de nosso ser para fora do nosso corpo, para construir um mundo com a obra. Pura composição com a vida."

Corpos Informáticos - Performance, Corpo, Política, 2011, p. 34

mais muito mais em http://corpos.blogspot.com.br/