segunda-feira, 19 de março de 2012

Apresentação: malhar com arte trai a academia



Eu sou, no mínimo, o homem mais terrível que até agora existiu; o que não impede que eu venha a ser o mais benéfico. Eu conheço o prazer de destruir em um grau conforme à minha força para destruir – em ambos obedeço à minha natureza dionisíaca, que não sabe separar o dizer Sim do fazer Não. Eu sou o primeiro imoralista: e com isso sou o destruidor par excellence.
Ecce Homo - Nietzsche
Provocado.
Apresentação. Não sou mestrando; não sou doutorando. Não sou professor, estava professor de Arte, porque não sou licenciado. Sou reprovado por 5 programas distintos de Pós-Graduação. Ainda não me cabe a academia com seus halteres pesados. Não trabalho. Desempregado? Nunca fui empregado, pregado. Não sou ator, nem sei se posso interpretar além de um eu tão fugidio e obsoleto.
Como alguém se torna professor? E de Arte?
Chamava-me performer, mas agora, muito americanizado, estadunidense de mais; sou mais fulero que isso, Corpos Informáticos[1] são.


foto: Magno Mattos
“Eu to botando dúvida
Eu to botando defeito
Eu to prestando pra nada
To ficando obsoleto de mim
Ficando absolutamente não afim
(...)
Eu fico frio de medo
Eu fico cheio de dedo
Eu to prestando pra nada
To querendo me livrar de mim
Eu fico transparentemente não afim.”[2]


MPB. Música pra boi dormir. To aqui sambando a música da existência no desejo de estar, tentando me livrar do obsoleto de mim, fazer do encontro da malhação outra tonicidade. O que me resta é seguir algumas pistas. Primeira pista: arte.
Mas não só da arte linguagem, forma técnica, dança, teatro, arte cênica, plástica, visual, mas é que
“A faceta prática da arte é da mesma natureza que dirigir com arte, cozinhar com arte, pintar com arte. No momento da criação, da realização, da volução, os atos desses artistas dar-se-ão sem pensar os passos, a cada passo.” (AQUINO; MEDEIROS, 2011, p. 16).


Desse modo, buscando abandonar as dicotomias pensamento/ação, razão/emoção, teoria/prática, investir na relação, no sexo, na penetração, no emaranhado, rodando sem objetivo, sem manter um movimento apenas, na volúpia. Tudo num tempo único. A arte não como produção de objeto, coisa posta em museu, galeria, produto vendável, vendido na liquidação leiloeira de conceitos. Corpos Informáticos brasilienses do Brasil do mundo faz cutuque, dá outra pista: “A arte trata, maltrata, trai a técnica ou a tecnologia.”(Idem.)Ui!


Eterno retorno à academia da forma, busca por forma outra. Malhar, malhar, malhar: repetição que gera diferença, território transitório e potente, criação, que não se opõe a identidade, mas perfura-a artisticamente, des-dobra-a em identidade nômade. “A arte como pensamento, mas pensamentocomocoporinteiro, descoberta a cada resto e a cada novo re-sentir a criação.”(ibidem, p. 26) O que interessa é o pensamento outro da arte, que se faz ‘comocorpointeiro’. A vida como obra de arte, única, não reproduzível, instante que passa, mas fica. Acontecimento sem fim. Academia como obra de arte. Possível? Informo-me.
Vem a necessidade de falar, falar, falar.


“O candidato não apresentou, no texto da prova, conhecimento e capacidade crítica sobre o tema proposto. O discurso é vago, inconsistente e não atende aos requisitos de clareza, coezão e coerência.”[3]


A técnica de criação humana acadêmica trai a técnica do Word gramatical. Ou a técnica do Word gramatical trai a técnica de criação humana acadêmica. Ual! O que me resta neste momento é isso, constituição de mim, transparentemente, falar, na busca de coerência, coesão ou, com “z” zão, clareZa: e “O verbo se fez carne”, corpo, um corpo, sem posse, sem dono, de todos, mas de ninguém, “Assim, o corpo sem órgãos nunca é o seu, o meu... É sempre um corpo.”(DELEUZE, 1995-1997, p.28) Com janela, caneta, vozes no corredor, Fabrício, Cristian, Zilpa, Margareth, Éricas, Tarcísio, Marco’us, Sônia, Nina... Lillian... um corpo de estudos, num corpo da Educação, num corpo UFJF, num corpo. Outro.


E esse corpo fala? Como fala. Como falar? Línguas, sem linguagem, língua outra, La langue, alíngua corpoalíngua[4]. Eis o desafio acadêmico da arte. “A arte é comunicação não-linguística, voz do corpo e cor do grito. Trata-se de criar um outro do discurso, a ordem do grito. Grito do ser humano. Significações incertas. A indeterminação é desejada: obra aberta. Esse grito não diz nada.” (AQUINO; MEDEIROS, idem, p.34) Corpos Informáticos diz. Grita. O que ainda não foi dito? Que? Gritar!


Não importa, a mim, clarear nada, “não afim”. Sem luzes. Se a mim interessa o clarão que seja da ordem da cegueira leitosa, cegueira branca sarama-guia-na, que mais turva que deixa ver, que aciona outros sentidos além do costumeiro ver.


Medos. Demasiado. Da morte não, pois já disse Cazuza, “morrer não dói”; mas alerta Guimarães, “Viver é perigoso!”. Sertão ou metrópole. Sertão de metrópole. Seca acadêmica, e ainda assim, criar vida. Temo viver, depois de des-crer na imortalidade da alma e ter certo o findar biológico. “E a vida! E a vida o que é? Diga lá, meu irmão”[5] Quando, como, por quê? Que venha a morte, pois esta vida é muito incerta e também deslumbrante. Ai! Paradoxo. Aqui estou. Tornando-me.


Arte pra maltratar, tratar e trair a técnica, a tecnologia acadêmica, a técnica gramatical do Word, da palavra acadêmica. Endêmica. Buscar linguagem outra, que seja mais que comunicação, que seja expressão do novo, não da novidade. Coesão com “z” é a traição da técnica que cria língua, sem linguagem, expressão. Não quero nada além da experiência, ao que escapa à correção gramatical programada e que se faz entender, sem ser tendencioso, mas tencionando sempre, mesmo dentro da academia.  Formação de professor sem técnica, sem licença. Técnica outra, licença outra. Com licença poética, de criação. Arte. Pensamentocomocorpointeiro. Formação outra. Eis o desafio.


Torço para que um dia eu possa dizer: Eu sou nada! E nada seja falta, mas possibilidade, potência de tudo, apenas vida!




Referências bibliográficas:


DELEUZE, Gilles. Como criar para si um corpo sem órgãos. In.:______. e GUATTARI, Félix. 1995-1997. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34.
MEDEIROS, Beatriz de. Pesquisa em arte, linguagem da arte ou Omo escrever sobre o pensamentocomocorpointeiro. In.: AQUINO, Fernando; ______. (Org.) Corpos Informáticos. Performance, corpo, política. Brasília: Editora PPGA, UnB, 2011.



[1] Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos, criado em 1992, no Programa de Pós-graduação em Arte – UnB.
[2] Altos e baixos. Música. Interpretação Roberta Sá. Disponível em http://robertasa.com.br/site/discografia/?mith&categoria=albuns&pasta=1. Acessado em 17/03/2012.
[3] Parecer final da banca, na integra, em resposta ao recurso da 2ª fase Seleção 2012 – PPGE – UFJF, grifo meu.
[4] Ver mais em ALCANTARA, Clarissa de Carvalho. Corpoalíngua: performance e esquizoanálise. 1 ed. – Curitiba, PR: CRV, 2011.
[5] Trecho da música “O que é, o que é?”. Gonzaguinha. Disponível em http://letras.terra.com.br/gonzaguinha/463845/ Acessado em 17/03/2012.




produção partindo das provocações do primeiro encontro do Grupo Corpo-pensamento e Educação, PPGE - UFJF, 16/03/2012.

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