Como começar? Como um
performer, nu? (retira toda a roupa). Como um professor e sua toga dogmática a la falação de Jorge Larrosa? (coloca
um jaleco branco, quase de médico. Desiste e tira). Como um avaliado, candidato
ao título de mestre em Educação, educadamente burocrático? (veste sua roupa
mais social). Ou como um analista, analisando o produzido e ou o produto?
Venho por meio desta,
solicitar mais que 30 min. para minha falação, acreditando que tenho muito a
falar, embora possa ainda ficar em silêncio. “E que agora sinto necessidade de
palavras – e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi
até agora intocada. A palavra é minha quarta dimensão”.
Consciente da generosidade da banca, gostaria ainda de salientar que caso haja
uma negativa, não respondo por mim. Tenho comigo algumas coisas, e outras
coisas estão espalhadas pela sala, que num toque ou movimento não esperado pode
modificar a estrutura física de tal ambiente. Isto não é uma ameaça, embora
esteja ameaçado.
Ciente dos possíveis,
peço deferimento.
Cordialmente, Tarcísio
Moreira Mendes.
É que quero captar o é
da coisa, o it, com Clarice e Clarissa. Devindo, sem dever nada a ninguém.
Devir não é fazer como, não é imitar, não é ser, mas ir sendo, tornar-se. Um
professor que se torna performer que se torna professor que se torna mestrando
que se torna performer que se torna ator que se torna professor que se torna
mestrando que se torna ator que se torna analista de arte e cultura que se
torna mestrando que se torna e torna e retorna, embora nunca no Mesmo.
Diferença. Que torna tudo outra coisa: nem performer, nem ator, nem mestrando,
nem analista, ninguém. Devir outro. Devir da forma. Devir é forma. Disforma.
Porque forma é. Nem precisa muito esforço ou só isso: esforçar um pouquinho
mais para sair da forma em forma outra. Devir.
Um texto que era
relatório que se tornou caixa que se tornou qualificação de mestrado que se
tornou uma avaliação de mestrado que se torna dissertação ao não ser caixa,
relatório, qualificação, coisa, obra de arte, quem sabe ovo. “Quiseram que eu
fosse um objeto. Sou um objeto. Objeto sujo de sangue. Sou um objeto que cria
outros objetos e a máquina cria a todos nós. Ela exige. O mecanismo exige e
exige minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto,
que seja um objeto que grita... Sou um objeto que grita”.
Mas isso pode? Só isso, e nada mais. Mas que tolice “ter dito o isso”. “Isso
funciona em toda parte: às vezes sem parar, outras vezes descontinuamente. Isso
respira, isso aquece, isso come. Isso caga, isso fode”
gritam Deleuze e Guattari em seu mil anti-Édipos.
Começo pelo
meio. Uma denúncia! Denuncio a todas desautoridades presentes e por isso, a
todos os vivos, aos mistérios públicos, fugindo ao ministério público. Um
assassinato fora cometido contra um alto funcionário público do Estado
Brasileiro ou a mais um qualquer sem rosto e sem nome. Vítima: Doutor Roberto
Schettini e outros milhares mundo a fora como eu e com o potencial de continuar
matando. Acusação: chacina, massacre, seguido de latrocínio “derivado do crime de
roubo — o crime-fim, em que o homicídio é o
crime-meio, ou seja, mata-se para roubar”, mataram-nos para roubar a vida de
mais alguns. Com agravante doloso, quando há o desejo de matar. As
vítimas tiveram o corpo dilacerado não pelas rodas do caminhão no km 799 da rodovia Santos Dumont (Br 116) que tocou o
corpo de Roberto (Fonte: Blitz Conquista – blitzconquista.com.br) mas
pelo o buraco negro e o muro branco das relações sociais fascistas. A acusação
pede a condenação dos acusados e um ritual xamânico para trazer de volta à vida
milhares e milhares de corpos violentados, torturados, dilacerados.
A defesa alega
total inocência e argumenta que as vítimas teriam cometido suicido após quadro
clínico de surto psicótico. Isso comprovado pelo histórico de tratamento
psiquiátrico das vítimas que foram diagnosticadas, com base na Classificação Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID) acometidas pela Esquizofrenia, registrada sob o
número F20.
Consultamos
o site de Dráuzio Varela, o médico pop do Fantástico, aquele mesmo programa
televisivo no qual fora apresentado por Viviane Mosé um serviço da filosofia nietzscheneana
próximo aos trabalhos do renomado autor de literatura Augusto Cury, aquele que
quer curar todo mundo. No site diz:
“Grosso modo, há dois tipos de sintomas:
os produtivos e os negativos. Os sintomas produtivos são, basicamente, os
delírios e as alucinações. O delírio se caracteriza por uma visão distorcida da
realidade. O mais comum, na esquizofrenia, é o delírio persecutório. O
indivíduo acredita que está sendo perseguido e observado por pessoas que tramam
alguma coisa contra ele. Imagina, por exemplo, que instalaram câmeras de vídeo
em sua casa para descobrirem o que faz a fim de prejudicá-lo.
As alucinações caracterizam-se por uma
percepção que ocorre independentemente de um estímulo externo. Por exemplo: o
doente escuta vozes, em geral, as vozes dos perseguidores, que dão ordens e
comentam o que ele faz. São vozes imperativas que podem levá-lo ao suicídio,
mandando que pule de um prédio ou de uma ponte.
Delírio e alucinações são sintomas
produtivos que respondem mais rapidamente ao tratamento. No outro extremo,
estão os sintomas negativos da doença, mais resistentes ao tratamento, e que se
caracterizam por diminuição dos impulsos e da vontade e por achatamento
afetivo. Há a perda da capacidade de entrar em ressonância com o ambiente, de
sentir alegria ou tristeza condizentes com a situação externa.
“Arranca minha pele
que eu quero nascer de novo.”
(rasga a pele da caixa da primeira qualificação de mestrado).
“...para vergonha dos psiquiatras, é
que todo delírio é, primeiramente, investimento de um campo social, econômico,
político, cultural, racial e racista, pedagógico, religioso: o delirante aplica
à sua família e ao seu filho um delírio que os excede por todos os lados”. Gritam mais
uma vez em multidão Deleuze e Guattari, esquizos de plantão, ou que fazem
rizoma.
Coisa de gênero. “É mais benigna na mulher. Mais benigna provavelmente
por dois fatores: a instalação da doença ocorre mais tarde e elas se casam mais
cedo. Assim, antes da manifestação da psicose, a mulher tem a possibilidade de
construir uma rede social e familiar que vai ajudá-la no decorrer da doença.”
No 'santinho' entregue
e postado no facebook, ao sétimo dia
diz das saudades dos pais, irmãos, tios, avós, amigos e demais parentes. Mas o
companheiro ou namorado ou marido que estava junto no dia fatídico, citado
inclusive na reportagem policialesca da internet? O mesmo da causa da
performance apresentada no GT Estudos da Performace na Reunião da ABRACE 2014,
na qual Doutor Roberto Schettini vestiu máscara e ficou em silêncio para
desmascarar algumas relações sociais que o impediam de viver plenamente a
constituição de sua família.
Loucura. A mesma
sociedade que idealiza a cura pela família, como dita anteriormente, é a mesma
que produz a doença do impossível familiar. Aos juízos de plantão difícil é
determinar de quem é a culpa, assim com determinar qual é a cura. Antes
rechaçar e fugir da doença do que acreditar numa cura que só afirma o que deveria
combater.
“E se é verdade que o delírio é
coextensivo ao campo social, vê-se que os dois polos coexistem em todo delírio,
e que fragmentos de investimento esquizoide revolucionário coincidem com blocos
de investimento paranoico reacionário”.
Todos
inocentes. Todos culpados. Ninguém a salvo. Salvar do quê?
O pentágono delira, Julian Assenge delira, os Russos deliram uma
Ucrânia, o governo estadunidense delira um Brasil, o sudeste brasileiro delira
um nordeste, políticos em petrolão deliram em Petrobrás. Milhares na rua
deliram uma intervenção militar. Embora alguns digam que é alucinação, somos
cotidianamente perseguidos, teleguiados, manipulados, vigiados por curtidas no
facebook, assobios de whatsapp, clicadas do Google... Loucos são os que
acreditam. OU seriam loucos os que ignoram? Enlouquecido.
“Além disso, delírios de grandeza, em que a
pessoa acredita ser alguém famosa ou importante, também ocorrem na
esquizofrenia”.
Sinto-me,
sou um PhD, embora não seja reconhecido.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
Tenho sonhado mais que o que
Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem
porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(...)
Mas ao menos fica da amargura do
que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(...)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos
inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Neste
verão não vou à Academia, quem sabe tai chi na laje, corrida ao buteco, yoga na
esquina.
Mas é que delirar ou não já não seria um parâmetro para separar loucos de sãos.
Delirar é que mais fazemos. Delirar é ainda só o que fazemos. A pergunta então
seria onde, quando, como funciona o delírio? Que delírio? Que produção?
Seduzidos que somos, mesmo na diferença,
topamos sempre em 4 perigos, alertam D&G junto à multidão Castenheda: a
Clareza, o Medo, o Poder e o pior deles, o Desgosto ou a ‘Paixão de Abolição’.
O primeiro a se apresentar no molar é o
Medo. Pois óbvio, tememos, amedrontados perder o muito pouco que conseguimos.
Falta segurança, falta de chão, falta de clareza, falta de objetividade; ou
medo de muita explicação, muita obrigação, muita publicação, mais publicação,
medo de sentir medo. Fugir, fugir, fugir,
mesmo dizendo, mil vezes de acordo...
O segundo perigo seria a Clareza.
Exercício costumeiro e tradicional deste lugar que agora ocupamos, a sociedade
civilizada. Conscientes, somos capazes de delimitar com tamanha clareza as
linhas molecular e molar, as micro e macropolíticas... Sabendo diferenciar os
estados, nos julgamos capazes de escolher e decidir o melhor. Tolice. Nem
prognóstico, nem diagnóstico capaz de conter os fluxos que ora transbordam e só
podem transbordar por todos os lados.
O Poder é o terceiro perigo que
embaralha as linhas, salta de uma para outra: “a demagogia de bar e o
imperialismo do alto funcionário”. Sobretudo é a impotência que torna o poder
tão perigoso, pois os fluxos escorrem aqui
ali e o poder tenta deter: escola para todos, licenciatura para todo
professor, salário de miséria para os funcionários da Educação Estatal, cursos
e formação continuada para uma falta falsiada e ilusória de uma Forma educada,
mais disciplinas obrigatórias, cursos de pedagogia às distâncias cada vez
maiores, disputando garagens desativadas com igrejas inovadoras, mil
professores formados num clique do mouse...
O quarto perigo concerne à linha de
fuga, a linha de criação. Não há criação que não funcione como uma máquina de
guerra. Mas na diferença do destruir e da negação do leão de Zaratustra, a
máquina de guerra não tem a destruição como fim ou a guerra. A máquina de
guerra é dirigida contra as formas fixas, contra o Estado que tenta captura
tudo e que tenta impedir o fluxo de criação que o transborda. Toda linha
mutante tende a encontrar outra linha mutante para compor. Fugir, como os cegos
que abandonam seus telescópios porque já não podem ver além do acontecido.
Porque eles eram antes acontecimento, produção e agora atravessam a ponte do
abismo experienciando outras travessias, encontrando outros cegos como eles que
não veem nada, mas podem ainda inventar outros tantos sentidos, mais vida.
O quarto perigo é do tipo “já que não
posso, ninguém poderá também”. Presença ignorada na sala, diário preenchido com
três avaliações, obrigação de ir à Escola, criação da minha disciplina
obrigatória. Já que não posso fugir, que todos morram junto comigo. Publicar,
publicar qualquer coisa. Um esforço para uma B3, você pode, mesmo que não tenha
nada a falar.
Tarefa positiva da esquizoanálise: fazer
um estudos dos perigos de cada linha sem interpretar ou representar. Antes,
experienciar outras conexões possíveis não pensadas. E se não fosse mais
preciso ser professor para habitar sala de aula? E se não fosse mais preciso
ser licenciado para se torna professor? E se não fosse mais professor, não
fosse preciso então professar? Experenciar! Assim se faz esta dissertação. Um
possível outro. E se... e só si...
Tarefa positiva da esquizoanálise: efetuação do processo. “É isto a efetuação do processo: não uma terra prometida e preexistente,
mas uma terra que se cria ao longo de sua tendência, de seu deslocamento, de
sua própria desterritorialização”.
Que repetição sem memória?
Curiosa a escolha de Água Viva para explicar o que vinha
fazendo no seu não explicar da dissertação. Produzir uma voz feminina, da
caixa, da dissertação, deste objeto de carne, ossos e muito sangue. E me
esqueço de que este fora um dos trabalhos de Maria Helena em sua tese de
doutorado e agora banca a avaliação. Que risco. Que alegria. Que provocação
nada intencional.
“Escrevo-te porque não me entendo... Sou
um objeto sem destino... O que me salva é o grito... Você que me lê que me
ajude a nascer”.
E se mudasse de
profissão, pergunta minha orientadora. E se tornasse analista, quem sabe.
Talvez psicologia, filosofia... quem sabe escatologia? E se mudasse sem
profissão: desprofissionalizar, fuga à profissionalização da vida, um outro da
profissão. Por que não alvenaria, jardinagem, costura, ordenha, horticultura,
nada graduado, talvez em gradação, em ação. Lembro Maria Helena, no nosso
último encontro presencial no corredor do NEC/FACED/UFJF, no sofá vermelho,
analisando e explicando minha aparente ansiedade pelos títulos acadêmicos. “É
que sem trabalho, força mais a pensar no doutorado”. Doutorado como seguro desemprego.
Desconfio. Põe-me a pensar. Na diferença da falta de trabalho como instigador
do doutorado, outra relação. Mestrado como trabalho que impede outra produção
que não seja mestrar-se. Jogada de mestre, entende? Ou quem sabe Maria Helena
tenha razão: mestrado como ócio, este ócio produtivo, essa coisinha que nós
tanto gostamos, lembrando também outra fala dela; ócio maquininha de guerra que
repele os limites do trabalho aparelho de Estado. Como a produção em usinagem
de Marcos Vinícius escorrendo como leite em seu abecedário filosófico
dessubjetivado em performance por uns que habitam as escolas, e ora são
chamados alunos. Mas são mesmo é parteiros e fecundados. E provocam: “Época. Qual é o significado
de estudar-trabalhar-ter filhos? Pergunta para mim mesmo: qual é o significado
de estudar-trabalhar-ter filhos? Pergunta para mim mesmo: qual é o significado de estudar-trabalhar-ter filhos? Para mim mesmo e para você aí do outro lado
que por ventura esfrega o corpo nessas linhas!”.
Édipos de muitas
facetas. Tarefa negativa da esquizoanálise:
“desfamiliarizar, desedipianizar, descastrar, desfalicizar, destruir teatro,
sonho e fantasma, descodificar, desterritorializar – uma espantosa curetagem,
uma atividade maldosa”.
Esquizoanálise aplicada à pesquisa acadêmica. Pesquisa acadêmica como
esquizoanálise. Quem sabe pesquiza.
Não é que o
trabalho não dê tempo para a pesquisa. É que a pesquisa não pode ser outra
coisa senão um trabalho ou provoca a questionar se só o trabalho é capaz de
produzir vida. E isto é questão de estudo. Nem sei se serve à
profissionalização, mas aqui abre outras questões que desterritorialização o
trabalho estatal.
Mas por que a
Educação se tornou apenas assunto de Estado? “Pátria Educadora”. Que impede
nossa maquininha de guerra que ora se fixa num aparelhinho esdrúxulo de Estado
que inventa Aula, Prova, Disciplina, Grupo de Pesquisa, Travessia certificado
pelo CNPq, Escrileitura, Café Filosófico, Arte da Performance, Esquizoanálise?
Aparelhos estes que mais servem para conter fluxos, embora em devir outro
possam potencializar relações. Perigo sempre presente de apropriação da máquina
de guerra pelo Estado.
Mas se o Estado
apropriando-se da máquina de guerra produz um totalitarismo organizado, um
perigo ainda maior se anuncia. Uma máquina de guerra que se apropria da
produção do Estado inventando fascismo incomensurável, gritando “Volta Regime
Militar!”. “Se não for assim, que não seja de outro jeito, é melhor que
morramos todos” – Paixão de Abolição – PERIGO! Ele laça as linhas criativas
numa espiral suicida, da qual não é possível fugir. Como fugir da morte que nos
impomos para ainda criar vida?
“Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação”.
Fazer fugir da escola ou fazer fugir a
escola. Bons alunos se tornam bons trabalhadores. Tenho me assustado ao
encontrar meus ex-alunos nas situações mais diversas. Como Deleuze, nenhum se
tornou um grande funcionário público. Embora diferente dele, eu tenha por algum
tempo reproduzido o discurso, “estudar garante um futuro bem melhor”. Melhor
para quem, cara pálida? Porque se tiver uma cara mais escura, pele preta, talvez
nem o estudo. Assustado.
Duas coisas objetivamente esta dissertação desdobra. Uma é a desdobra Econômica aliada ao rigor de Suely Rolnik de desdobras Ética e Estética e Política do trabalho acadêmico e que serviu como potencializador para o Projeto FAPEMIG que estamos encerrando. Nada de economia energética. Ou só isto: economia energética, Usina de produção. Produção de produção na produção de produção e e e... na diferença de um sujeito capaz de produzir um objeto para pensar o objetivo aos outros sujeitos abjetos. Dessubjetivação. Desrostificação. Se a Educação tem rosto ele é muro branco-buraco negro da Pedagogia. Engole indisciplina, devora rebeldia, suga vidas. Mas se é o poder que produz o seu limite, se é o poder que não pode tudo, são os britânicos, estadunidenses, europeus que fogem de suas terras natais rumo ao oriente desconhecido para se tornarem bombas ocidentais-orientais contra o ocidente, é também a Pedagogia que produz seus abalos: “Je suis un pyrotechnique ‘pédagogique’” junto a multidão de Foucault.
Eis o segundo
dado produzido objetivamente por esta dissertação: máquina de guerra do e no
pedagógico contra o aparelho de Estado da Pedagogia. Abandono de território da
Pedagogia na educação, provocado pelo intermezzo
pedagógico de Tomás Tadeu “Nem vale a pena adjetivar
a pedagogia. Pedagogia crítica, pedagogia da esperança, pedagogia rizomática. É
que a substância é irrecuperável.”
Fluxo que escorre pela forma, quantum,
phylum maquínico, maquinando
possíveis, embora pareça tão impossível. Põe em xeque as formas antes pensadas
para Educação, Formação, inclusive uma tal de Formação de Professores, seria
talvez melhor chamar Formação de ‘Exército da Salvação’. Salvar quem de quê? A
questão aqui não é criar chão, pois ele já existe. A questão aqui é abandonar a
fixidez, acocorados, achatados, ‘enquanto assopram o buraco da ferida e
distribuem pasto comprado para se comer’.
A questão aqui é abandonar certezas. A questão aqui é sair do chão, “fazendo
não somente do conceito, mas também do artista e sua arte, um sobrevoo no campo
de batalha, um ‘pássaro-solilóquio-irônico’”
afirmando que voar não é opor a rastejar, mas coexistência de planos, somente
isso, nada mais. Dessubjetivação possível, pois a relação é anterior ao
sujeito. E aí vem outra questão, que relação? Que educação? Que fluxo?
Dissertação como
dado objetivo da impossibilidade objetiva de objetivar uma forma. Objetividade
possível graças aos sem objetivos dos cem objetivos possíveis e inimagináveis
para formação. Dupla multiplicidade.
“Dizer
que tenho um corpo
porque
tenho um gás fétido
que se
forma em mim?
Não
sei
mas
sei
que
o
espaço,
o
tempo,
a dimensão,
o
devir,
o
futuro,
o
destino,
o ser,
o
não-ser,
o eu,
o
não-eu
nada
são para mim;
mas há
uma coisa
que é
algo,
uma só
coisa
que é
algo
e que
sinto
por
ela querer
SAIR:
a
presença
da
minha dor
do
corpo,
a
presença
ameaçadora
infatigável
do meu
corpo;
e
ainda que me pressionem com perguntas
e por
mais que eu me esquive a elas
há um
ponto
em que
me vejo forçado
a
dizer não,
NÃO
à
negação;
e
chego a esse ponto
quando
me pressionam,
e me
apertam
e me
manipulam
até
sair de mim
o
alimento,
meu
alimento
e seu
leite,
e
então o que fica?
Fico
eu sufocado;
e não
sei que ação é essa
mas ao
me pressionarem com perguntas
até a
ausência
e a
anulação
da
pergunta
eles
me pressionam
até
sufocarem em mim
a
idéia de um corpo
e de
ser um corpo,
e foi
então que senti o obsceno
e que
soltei
um peido
de
saturação
e de
excesso
e de
revolta
pela
minha sufocação.
É que
me pressionavam
ao meu
corpo
e
contra meu corpo
e foi
então
que eu
fiz tudo explodir
porque
no meu corpo
não se
toca nunca
|
foto: Flaviana Benjamin |
"POST
SCRIPTUM"
Quem
sou eu?
De
onde venho?
Sou Doutor Professor Roberto Schettini
Ou sou apenas Beto
Ou ninguém
e
basta eu dizê-lo
como
só eu o sei dizer
e
imediatamente
verão
meu corpo atual
voar
em pedaços
e se
juntar
sob
dez mil aspectos
notórios
um
novo corpo
no
qual nunca mais
poderão
me esquecer.”
Obrigado a todos adimplentes contribuintes brasileiros e funcionários públicos e ou terceirizados, íntegros que através do PPGE/FACED/UFJF, CAPES, FAPEMIG, tornaram mais possíveis minhas pesquisas.
março de 2015.
fotos: Nina Veiga e Margareth Rotondo.
Fragmento do Diário
Êxtimo de Clóvis Domingos dos Santos. In.: ALCANTARA,
Clarissa de Carvalho. Corpoalíngua: performance e esquizoanálise. 1ª ed.
– Curitiba, PR: CRV, 2011,
p 31.
Cf. DELEUZE;
GUATTARI, Micropolítica e segmentariedade, In.:______. Mil
Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia 2, Vol. 3. São Paulo: Editora 34, 2012.
DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 426.