terça-feira, 27 de maio de 2014

Na reta dá crítica

foto: Diversão&Arte - Espaço Cultural, maio/2014

Neste momento minhas pesquisas movem-se entre territórios da Educação e Arte e Filosofia e Clínica e e e... E põe-se a pensar que inventa estes encontros. Que encantos? Por se mover por códigos tradicionalmente formatados é importante pensar o que escapa, o que não é possível de ser capturado e aí a loucura se atualiza. Que diferença há entre loucura e normalidade? Que loucura? Loucura como potência para invenção. Que corpos outros inventam-se nos encontros entre corpos, para além de uma distinção entre corpo humano e não humano? A inumanidade como potência para criação de um corpo em criação que inventa mais corpo em criação, que já não é possível distinguir sujeito, objeto, espaço, apenas movimento de desterritorialização, corpos em invenção, corpo. Venho forçando limites entre o que se designa arte da performance e teatro e vida. Que arte? Que vida? Vida como obra de arte, arrisca-se.

Tá lá um corpo estendido no chão
Em vez de um rosto uma foto de um gol
Em vez de reza, uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém[2]

E ele se põe a pensar. Da questão primeira, texto como corpo e ou corpo como texto pensa-se que corpo cria texto? O não entendimento do primeiro vídeo apreciado pela curadoria cria corpo. O corpo explicativo da ação do festival cria texto. O desejo de entendimento, mínimo que seja, cria corpo. No encontro de corpos a produção de uma crítica, produção de corpo como texto. Da primeira conversa ao primeiro encontro. O território no qual vivo atualmente se constitui por um certo exercício crítico constante. Desde aspectos estéticos, políticos, éticos e econômicos. Há uma hegemonia que tenta valorar tudo, fixado em certos pressupostos transcendentes aos quais estou submetido, mas que tenho fugido. A pergunta a ser feita então é: que crítica? Pois alguma coisa cria sentido ao buscar uma transvaloração[3] dos valores. Interessa um exercício crítico voltado a pensar o que faz pensar e não como pensar ou que pensamento é mais ou menos válido. Uma crítica que está atenta ao que se produz e ao seu funcionamento, mais do que com a qualidade mensurável por um parâmetro transcendente, ideal ou identitário. Crítica para além de uma análise explicativa, a explicação já não faz sentido, embora a sedução por ela esteja sempre presente entre uma cerveja e uma pizza. Uma crítica que inventa múltiplos sentidos composicionais.

Ao invés de pensar qual a melhor crítica ou o melhor modo de fazer crítica interessa pôr em questão: como funciona a crítica? Modo possível para tal exercício é o próprio exercitar. Um mundo da arte se preocupa ou se ocupa em produzir algo que se denomina crítica de arte. Assim o que se produz é de interesse em produzir algo que sirva ao mercado, seja ele de entretenimento ou de fruição artística de um metiê de vanguarda hoje compreendido como Arte Contemporânea, na qual a diversidade de obras, linguagens e formas de exposição são infindáveis. A figura de alguém capaz de valorar essa produção diversificada é urgente. Inventa-se a crítica de arte porque se inventa um mercado de arte, logo, inventa-se uma obra de arte e, por conseguinte, um artista e claro, um mercado consumidor povoado pelo público, a massa pagante que sustenta toda a cadeia de produção. Aqui a ordem dos fatores só altera o produto, não a relação. A crítica toma lugar de destaque e soberanamente inventa seus parâmetros, regras, valores de bom e ruim, de mal e bem, de entendido e não entendido, de arte e não arte, de obra e qualquer coisa. Formalizada majoritariamente por uma produção articulada, rebuscada, escrita que povoa não apenas os jornais e revistas em cadernos de cultura ou programas de outras mídias especializadas, mas invade espaços ao lado da obra, no folheto do espetáculo, na entrada da galeria, no folder de divulgação, atestando “isso é arte!”. O texto da crítica de arte inventa a obra do artista. O texto cria corpo. E o corpo obra do artista inventa-se no texto do crítico.

O trabalho de crítica de arte nesta relação torna-se algo de especialista, coisa de profissional capaz de traduzir, seduzir, entender o pensamento do artista para que o público possa assistir e consumir da melhor forma, entre uma pipoca e um refri, o bom produto. A crítica sempre vem sempre depois. A arte dita Contemporânea, afeita aos moldes tradicionais, exige o certo exercício de crítica, pois tem-se a impressão que o público não se sente à vontade com uma produção que parece incompreensível, sem muito limite entre início, meio e fim ou de linguagem artística (seria dança, teatro, performance, vídeo-arte, instalação?), tarefa difícil para uma vida acostumada a entender e explicar.

Mas é bom lembrar que quem inventou a dita Arte Contemporânea foi uma crítica assombrada por uma produção em arte que violenta a racionalidade de um mercado interessado apenas em consumir, em entreter, em distrair. A Arte Contemporânea surge criticamente porque ela critica uma tradição escolástica de arte, mas ironicamente, ela é produzida por esta mesma tradição. Porém, esta é uma afirmação de que a arte só pode ser crítica e nada mais. E aí põe a pensar. A crítica teme seu fim, já que não há mais parâmetro para tal. O artista já não teria o parâmetro para produzir, o público perdido à abertura do não entendimento. Quando se perde o valor predeterminado a urgência é a criação - de um outro valor, Arte Contemporânea? Não. Abre-se a uma possibilidade de transvaloração apenas possível na relação, fora dela, sem sentido. Crítica, artista, obra, público na urgência de criar. E quem cria? O artista criador? Não. A relação artística.

Sem pressa foi cada um pro seu lado
Pensando numa mulher ou num time
Olhei o corpo no chão e fechei
Minha janela de frente pro crime

O artista metamorfoseado ora em público, ora em obra, sempre em crítica. Crítica como violência ao que se pensava mensurável antes do acontecimento da obra. Crítica a um sujeito que seria capaz de definir e mensurar uma obra depois de seu acontecimento. Arte inseparável do exercício de crítica. Toda obra de arte nasce de um movimento crítico: Deleuze e Guattari ao produzir “O anti-Édipo”; Nietzsche ao produzir “A genealogia da moral”; Foucault ao produzir “A história da loucura”; Klauss Vianna ao produzir “A dança”; Marcel Duchamp ao produzir “A fonte”; Augusto Boal ao produzir o Teatro do Oprimido; Artaud ao produzir o Teatro da Crueldade. Nenhum deles precisa de uma crítica especializada, pois suas obras se produzem em crítica a um modelo de psicanálise, a um modelo de produção social, a um modelo de normalidade, a um modelo de dança, a um modelo de arte, a um modelo de teatro, a um modelo de corpo e sua relação com o texto. Uma crítica que não se separa da obra. Uma obra na qual a distinção entre crítica e arte é impossível. Uma crítica que só pode produzir obra. Que corpo cria crítica? Mas é que a arte que nasce desafiando os modelos esperados segue aprisionada, por vezes, no rótulo Contemporâneo. Porque arte só se produz no contemporâneo, no encontro entre corpos, na relação que produz mais corpo. Arte só produz mais arte. Crítica só produz mais arte. Isso. Uma crítica produzida com arte na qual já nem seria possível dizer crítica de arte, apenas arte. Uma obra que obra em arte. Um corpo em obra que só produz mais corpo em obra. Um corpo produz texto, como este aqui escrito. Um texto que produz corpo ao ser produzido como texto e ao ser lido. Uma crítica. Uma crítica que não deseja entender ou explicar, mas em produzir mais corpo, mais arte. Mas se já não há o artista, o crítico, o púbico... se todo mundo pode ser qualquer coisa, porque produzir? Como produzir? É porque ninguém sabe o que pode um corpo, ninguém sabe o que pode um texto, ninguém produz arte por um desejo consciente de se tornar o artista, se o for, está fadado ao fracasso.

Justamente quando se põe fim às identidades que se abre à produção, é pela produção que se perde a identidade limitante. “Aos que lhe perguntam em que consiste a escrita, Virginia Woolf responde: Quem fala de escrever? O escritor não fala disso, esta preocupado com outra coisa”[4]. Um artista está mais interessado em produzir possíveis de vida do que produzir uma obra de arte ou, sobretudo, produzir vida como obra de arte. A arte se produz como crítica para dar vazão a vida que não suporta os parâmetros transcendentes, identitários, limitadores, mensuráveis, comerciais, impotentes. O exercício da arte como crítica mina um mercado de arte interessado em agradar e produzir produtos consumíveis e mensuráveis por uma tal Arte Contemporânea ou cachê, para suportar a dureza da vida. A arte como crítica (e não arte-crítica, ou arte engajada, ou arte como outro nome) aposta e compõe com a dureza da vida para produzir ainda mais vida. Assim como Guimarães Rosa nos lembra que a vida quer da gente coragem, Vinícius de Moraes diz que arte é afirmação de vida e que não ama os covardes. É difícil não ser enredado por um mercado que quer dominar a todo custo e todos os custos, dar preço a tudo. De todos os modos possíveis estamos em relação ao mercado. Nas fugas e nas capturas. Na provocação de saídas e nas invenções de outras lógicas. No abandono da hegemônica lógica. Importa agora pensar é que mercado? Sei que toda produção, seja a mais alternativa ou mais comercial está inserida na lógica de mercado de sua produção e em relação à hegemonia. A pergunta que me importa, no momento é: que produção? Que economia com desdobra ética e estética e política está se praticando? Como funciona a máquina da criação, para além da mecanicidade do comércio de conceitos e modismos? Para além de um discurso ressentido e ressequido e estéril. Que lógica? Que mercado? Como funciona isso que funciona?

Assim, não precisamos de mais espaços de crítica, pois esta se encontra presente em todos os territórios que habitamos. Precisamos é inventar, criar mais espaços de criação, de produção de corpo em usinagem no qual a distinção entre corpo e texto, obra e crítica seja impossível, percebendo que possíveis de vida ainda podemos inventar. Os maiores impedimentos são as naturalizações, os pressupostos, as formas hegemônicas, as identidades, o reconhecimento, as definições de antemão de um trabalho que está em processo ou a insensibilidade ao processo que é a própria forma. Ou ainda, os julgamentos prévios a respeito de relações não costumeiras, como a relação entre arte e educação e filosofia. As desnaturalizações são constantes, os estranhamentos, o tempo todo presentes, mesmo em área pressupostamente mais maleável como a Arte. O texto como corpo inventa arte como crítica para combater a crítica de arte na afirmação de mais espaços para criação. Cuidado, crítica em obra.



[1] Este texto toma corpo após acontecimento do “CUIDADO! Corpo em obra” apresentado no Festival de Dança CAUSA desdobrado em NA RETA com curadoria de Juliana França e Letícia Nabuco e TÁ CRÍTICO com parceria de COMO_CLUBE, no dia 22 de maio de 2014, ocorrido no Diversão & Arte – Espaço Cultural, em Juiz de Fora – MG. Para saber mais acesse http://causaacoesartisticas.wix.com/causa 
[2] Música De frente pro crime, de João Bosco e Aldir Blanc.
[3] Friedrich Nietzsche propõe a transvaloração de todos os valores, exercício possível ao abandonar as dicotomias preestabelecidas pela moral judaico-cristã social, que determina o certo e o errado, o bem e o mal, o que deve ser feito e o que não deve ser feito, através de leis ideais e transcendentes às relações. Cf. Nietzsche, Friedrich. A genealogia da Moral. Trad. notas e posfácio Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; e ______. Além do bem e do mal. Trad., notas e posfácio Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
[4] Deleuze, Gilles. A literatura e a vida. Critica e Clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 16. 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Transbordando as bordas do corpo

foto retirada da página https://www.facebook.com/TemasDeDanca/
Acabo de participar de um evento que se propôs a discutir dança no MAR, mas sem se molhar. O nome, muito sugestivo, Bordas do Corpo: dança, política e experimentação, finalização do projeto Temas de Dança – Estudo Itinerante. Ao longo de um dia passam à frente de uma plateia atenta e receptiva 15 convidados implicados entre corpo, dança, política e algo chamado no material de divulgação de “tensões entre dança e escrita”.

Filosofia, conceitos, literatura, causa indígena, indianista, social, árvore, manifestações de rua, ilha de Florianópolis, Sergio Cabral, Eduardo Paes, Copa, obras, mapa do Rio, comunidades, periferia, edital de fomento, Psicanálise, coletivos, resistência, ilha de Meiembipe, Esquizoanálise, Festival de Circo, ilha de Nossa Senhora do Desterro, Deleuze em suas mais variadas possibilidades de prosódia e entonação, acompanhado em alguns casos de Félix Guatari ou George Agamben, corpo. Mas e a dança? “Nossa proposta se alia ao gesto que desestabiliza as separações instituídas entre teoria e prática”. Sim, desestabilizado, provocado, penso.

Não que eu queira que houvesse esse ou aquele tipo de dança, talvez uma tentativa de dançar com palavras, com as cadeiras, com o aleatório da fala da mesa sem mesa, com o MAR... O mar e suas ondas, vento, sol, luz e muito barulho. Mar arrebenta em mim. Mas antes de dançar na academia é sempre preciso fazer um retrospecto, fazer um recorte da realidade, uma contextualização de tantos ignorantes àquilo que chamamos dança, porque dança, há muitas, corpo então. Já me incomodou mais esta relação de interesses muito utilitaristas entre academia e arte. Hoje pouco menos. Agora, me incomoda apenas quando a academia deixar de inventar arte, deixa de dançar quando era a única coisa que poderia ser feita em biologia, na Ciência da Computação, na Psicologia, na Zoologia, na Arte, na Dança. Arte como modo de produção que inaugura um novo mundo, sem se importar em reproduzir mundo ou sem se importa com a “recriação de questões que atravessam o cotidiano”, mas implicada com a criação de questões ou ocupada com as questões que atravessam o cotidiano, apenas produção de mundo. E aí vem, como dançar na Dança?

O que assisti fora pesquisadores muito a vontade com seus títulos de pesquisador, com sua representação de professores à frente de alunos. Articulados especialistas, sabidos, doutos, profissionais, seguros daquilo que faziam e da proposta do evento “encetam novos modos de relação com o mundo”, mas assentados demais, ignoram um mundo a sua frente. Não acho que seja impossível a relação entre arte e academia, aliás, a academia só vive quando faz arte. E muitos fazem isso muito bem embora o risco seja sempre presente de sermos engolidos, capturados, sequestrados por enfadonhos conceituais, discursos extremados de explicações e ideal de metodologia reproduzível. Vejo muitos artistas bem formados pela academia, artistas a serviço da academia, quase uma escola de samba em cadência pouco variada, que teme qualquer ousadia com medo de deixar o grupo especial e ir para o grupo de acesso na quarta-feira de cinzas, mesmo que a alegria do desfile seja intensa. Afinal, temos jurados e alguns, já jurados de morte. Mas quais outros possíveis entre arte e academia, sem ser arte acadêmica ou arte conceitual? O conceito é antes arte.

Não se trata de artistas formados para estar ou falar de arte acadêmica, pelo contrário, acadêmicos que inventam uma academia em arte. Como fazer um pas-de-deux de um parágrafo? Como fazer um arabesque de conceito e não o conceito de arabesque? Palavras dançantes e não coreografias rígidas de palavras de uma academia de dança que pretende cooptar os movimentos do corpo através de um sem sentido de muitos sentidos de uma tal dança conceitual. Continuo não entendendo o sentido de dança conceitual. Talvez dança de conceitos, conceitos corpo de baile que se veste para cerimônia de gala, mas em performance abala o esperado da etiqueta, como um Nijinski em noite de gozos de Fauno. Dança não é conceitual, dança é conceito, conceito uma multiplicidade de sentidos, um mundo a ser explorado para ser inventado.

Há sempre os que podem afirmar buscando a alegria na boa vontade, no discurso da importância do espaço, em estar no MAR mesmo sem nadar, um tal “campo de reflexão e de experimentação”. Continuamos a ocupar lugares da diferença com o mais do mesmo de sempre. Antes uma flexão corpo em dança que uma tentativa de recuperar algo que se perde na reflexão da memória caduca. Dançamos sem música. Há ainda os mais otimistas que apontam, mas graças a isso foi capaz de falar sobre isso, então serviu para alguma coisa. Servimos a muitas coisas, uma a arte a serviço de uma academia. Preferia estar dançando, talvez não tivesse ainda muita coisa a dizer a não ser em corpo movimento, só desejo de dança, mais nada.

Mas a diferença sempre se produz, é sempre produção. E da plateia cansada de tanta falação surge o grito: mas precisamos mesmo de dizer que o espaço é pouco, já que o pouco que conseguimos foi com muita dança? Conseguiremos dançando ou discutindo em mesas sem mesa? Os dois. O que precisamos fazer mais? Abalar o costume, o esperado da discussão com Eduardo Paes, Sérgio Cabral, com Dilma, só para falar da representação. Mas temos perdido muito tempo discutindo e esquecendo de investir no “gesto que desestabiliza as separações instituídas entre teoria e prática”, entre lugar para dança e lugar para discussão com fala, como se dançar já não fosse o próprio e autêntico discurso nosso. Cuidemos para não esquizofrenizar, aceitar os campos delimitados e artificializados pela neurose segmentária, separando dança da discussão, se ver que dança só pode ser discussão, senão acabamos mesmo é dançando.

E então o que nos resta? Resta corpo. Quando tudo já não resta resta ainda corpo, como grita, grunhe e articula Antonin Artaud na sua transmissão radiofônica pouco antes de sua morte “Para acabar com o julgamento de Deus”. Assusta quando o vemos tão asséptico, comportado, neurotizado, articulado e compreensível como recadinho inocente de amigos do colegial. Artaud dedica a você toda a sua loucura esquizofrênica e potente que escorre pelo corpo que nem mais se importa com órgãos e organismo ou organização.
Mas no passo de negação do filósofo como especialista em dança vem convite ao salto: o maior ato de transgressão do corpo é dança, diz Peter Pál Pelbart. Vualá! Põe todos para dançar! Faz meu pensamento abrir em en dehors, estirando o músculo sem aquecimento. O filósofo dança.

Temos sabido dançar no ritmo da academia há um bom tempo Coreografias em lattes, Capes e CNPq. Dançamos conforme a música. Mas há corpos que desarranjados pelo seu contemporâneo sem se importar com uma tal contemporaneidade, inventam suas próprias grafias, seu khoros singular na pura diferença do descompasso da música da academia mercadológica do corpo hipertrofiado, inventando arte na academia. Alguns como os Corpos Informáticos do centro do Brasil, que como dizem, mentem e fazem fuleragem e até publicam livros e preenchem lattes e latem também. "A arte trata, maltrata, trai a técnica ou a tecnologia." (MEDEIROS, 2011, p.16) A tecnologia uníssona academissista do passinho de baile, da coreografia de mercado do tchan, do Lepo-Lepo ou das Poderosas. É preciso trair e maltratar a técnica da regência dos corpos acadêmicos. Mas sem fatalismo ou ressentimento, afirmando que a vida é isso mesmo, guerra sem paz ideal e é preciso coragem como Guimarães e seus Sertões.

Temos sabido muito bem, rigorosamente bem justificar nossas danças em articulados ensejos filosóficos. Adequamos brilhantemente cada ato artístico ao discurso acadêmico. Embora nos afastemos em inversa proporção do discurso acadêmico como ato artístico. E não que seja impossível escrever arte ou escrever provocados pela dança, pelo teatro, outros já o fizeram com potência animadora como Jerzy GrotowskiAntonin ArtaudConstanin StanislavskiAugusto BoalKlauss Vianna, para citar poucos. Chegou o tempo em que fazer arte é urgente! E não se trata do modo x ou y de fazer arte, mas questionar o modo único que se tem praticado ao pensar arte na academia. Adequamos maravilhosamente nossa arte à academia. Ao passo que a academia grite por uma arte de não adequação. Talvez possamos ousar mais em textos acadêmicos dançantes, de seminários acadêmicos em dança e não apenas sobre dança. Talvez sobre a dança, encima da dança, assentados na dança, não em cadeiras, ou cadeiras dançantes. Quem sabe precisássemos dançar mais com editais, nos Palácios, nas ruas, nas reuniões das Câmaras, do Congresso assim como fez os Corpos Informáticos no pulando corda à beira do lago ou no pátio da Capes em Brasília, pulando corda nu, com apoio da Capes. 

Temos sabido muito bem escrever sobre dança, teorizar sobre dança, discutir dança, fomentar dança, embora saibamos que é preciso mais. Engraçado ler filósofos que em certo sentido, ao fim de suas vidas, tenham se interessado em afirmar a arte como modo de vida, como Foucault, Nietzsche, Deleuze. Constrangedor ver artistas ao logo de suas vidas tentando adequar sua arte ao discurso da filosofia. Nem discurso, nem edital, nem reunião com o prefeito, nem verbas. Contudo, tudo isso merece ser discutido, mas só isso, discutido. Mas quem sabe dançado. Mas quem sabe que dança? Como discutir dança? Qual a coreografia que precisa ser inventada, experimentada? Temos sabido estar na academia de dança, mas dançamos pouco ou dançamos apenas o lepo-lepo acadêmico travestido em assistencialismo social ou discurso de educabilidade quanto é preciso mais arte de saneamento, mais arte de escola, mais arte de segurança, mais arte em trabalho digno, mais criação. No encontro Vulnerável do dia anterior, na UERJ, com o filme "Corpo Santo" de Maurício Dias & Walter Riedweg + Juliana Franklin + Júlio Verzstman, na desdobra do trabalho artístico produzido no Instituto de Psiquiatria, IPUB/UFRJ, Peter Pál Pelbart na saga pelo Rio de Janeiro, afirma que a Cia. Ueinzz nasce no contexto hospitalar lembrando que para produzir mais vida, foi preciso ultrapassar os limites das instituições da loucura, foi preciso abandonar literalmente "A Casa", lançando uma a fala terapêutica para curar qualquer ressentimento idealista. Chegou o tempo de matar o tempo para que o tempo não nos mate sem divagar. Lembrando que temos sabido fazer nosso dever de casa, da academia, do Estado, da vida muito bem. Mas que devemos ainda fazer sem dever nada a ninguém? Uma academia em arte grita por mais dança na academia, na rua, na favela, no MAR, no mar, pois temos tomado muito cuidado conceitual para produzir dança, quando dança é um conceito, conceito não confundido ou fundido em palavra, talvez uma fusão de palavra, uma fundição, uma usina de produção, de modo de ação que põe corpo para funcionar.

E como provoca Peter, dançar é uma revolução, sobretudo na academia. Fica o convite à dança na academia, na rua, no texto, na vida! Porque fazer conceito é coisa de filosofia, não de artista. Quem sabe de artistas em filosofia, quem sabe... Então, quais danças ensaiamos agora? Fica o convite ao próximo passo.


Referência:

MEDEIROS, Beatriz de. Pesquisa em arte, linguagem da arte ou Como escrever sobre o pensamentocomocorpointeiro. In.: AQUINO, Fernando; ______. (Org.) Corpos Informáticos. Performance, corpo, política. Brasília: Editora PPGA, UnB, 2011.