quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Caderno de Bordas

*Este texto é borda do Caderno de Bordas do trabalho "Uma formação esquizita. Uma Educação bricoleur" apresentado por Tarcísio Moreira Mendes ao exame de qualificação de Mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF. Aqui, o caderno borda algumas notas não apresentadas no texto escrito à mão, mas que pode ajudar a ir a outras bordas de pesquisa.


Fiquei pensando desde o dia que apresentei um exercício textual ao grupo “Formação como processo ético-estético-político”[1], a respeito do impacto e da compreensão acerca do meu trabalho.
Talvez por ter usado a caixa que havia comentado com minha orientadora, os primeiros olhares para aquelas folhas soltas, dentro de uma estranha caixa de papel, criaram a primeira questão e talvez a que se demorou mais nas discussões (porque nada foi discutido a partir do que estava escrito ou composto entre impresso em papel vegetal e texto de jornal velho): como pensar a constituição da banca de qualificação para avaliação deste texto? Uma banca de frutas, talvez. Cheirando a maçãs vermelhas, abacaxi de Marataízes cortado na hora, manga de Ubá colhida no pé e claro, muita falação como na feira livre e suas muitas bancas. Múltiplas bancas que não vendem apenas uma fruta ou legume ou verdura ou mel, compartilham muita conversa, mas muita conversa mesmo e muito mais. Mas o que isso tem a ver com educação?

Pensando agora enquanto escrevo, escrevendo agora enquanto penso, penso ainda mais. A coisa que não era defesa, que não era texto de banca, se banca? No desafio, assumo a caixa e seus textos como desejo de ser dissertação, na Educação sobre Educação com muita Arte. Apostando na composição múltipla deles, alegro-me com a potência de seu jogo de agrupamento de sequenciação, pronto para ser outro. Por isso, qualquer coisa que escreva aqui não tem o desejo de justificar escolhas ou explicar muitas coisas. Certeza que não limitará a multiplicidade de sentidos que podem surgir da relação dos textos e dos corpos, dos textos como corpos, dos corpos como textos. Nem mesmo este caderno que era diário, que por não ser tão diário – não foi escrito dia após dia, mas contaminando-se pelos dias – tem encerrado em suas palavras as intenções que suscitam dele. Sinto-me alegre ainda por saber que não tenho o mínimo controle sobre aquilo que digo, mas sei que ao dizer, outras coisas estão por se fazer. Por isso agora, só e junto, escrevo.

Livre da responsabilidade de explicar o que produzi com os texto da caixa, me senti instigado a contar um pouco sobre o processo de sua produção em fragmentos. Assim, acredito experienciar outros sentidos possíveis para coisas que ando chamando Educação e Formação e Arte, coisa muito importante, pois facilmente tende-se a um reconhecimento, independente dos territórios onde estas palavras estão. Uma educação pensada em relação com territórios. Uma formação que se faz em território. Uma formação que desterritorializa. Uma Educação que reterritorializa. Uma formação e uma educação em movimento atento às linhas de fuga.

Um caderno de bordas não quer ser de bordo, no qual se encerram os caminhos traçados de uma viagem, tentando catalogar para instruir os futuros viajantes, como um documento de registro seguro. Um caderno de bordas se quer com muitas bordas, nas bordas do já feito, mas transbordando um outro feito para bordar o feito antes de modo ainda não feito, dando vazão a outros feitos e ainda deixando fios desfeitos para muitos outros bordados.

Achei interessante tomar este lugar do discurso ou quem sabe, melhor, da narrativa. Um lugar do relato, contar uma história de como a coisa é feita, sem me ocupar em querer criar uma coisa bem-feita. Isto provocado desde o momento em que ouvi falar de um tal modo cartográfico de acompanhamento de pesquisa. Um modelo que parecia um antimodelo que, no entanto, se mostrou como modelo para criar meu próprio modelo. Não querendo impor meu modelo para pesquisa, para escrita ou para seja lá o que for, o interessante foi ser provocado a criar algo singular a partir de uma singularidade outra. Interessante para um território acostumado a pesquisas metodizáveis, reproduzíveis, controláveis, generalistas como as ditas Ciências da Natureza e que andam por influenciar as ditas Ciências Humanas e por consequência, a Educação. Uma possível dispara a uma metodologia no território da Educação provocado por outros territórios como Filosofia e Arte que acabam criando uma educação outra, um possível da educação se fazer de outro modo, abandonando o desejo de segurança por um método totalizante para pesquisa.

Os restos

Das leituras d'O anti-Édipo – e aqui leitura é muito mais que encadear ou buscar entender o que o autor quis dizer ao dizer alguma coisa, leitura como prática de violência ao pensamento que se põe a pensar o impensado – uma surpresa nos encontros com a dupla Deleuze e Guattari ao propor um outro lugar para o que chamamos de Sujeito. Deslocamento do sujeito para o lugar de resto[2]. Resto de um processo que se efetua e que se torna outro. Sujeito como resto do processo e não como resultado de um processo ou fim do processo.

Dissertação como resto de um processo que se torna outro e não fim de um processo ou resultado. Dissertação como composição de restos que torna estes outros. Nos agenciamentos e conexões, novos sentidos ainda não sabidos. Aquela história de repetição que gera diferença. É que ao procurar uma coisa acabei encontrando outra. Uma Educação que propõe uma coisa, mas que está pronta para ser proposta a outra e outra e outra e e e... é possível.

Ao procurar por uma caixa que queria transformar em uma nova mala, já que havia perdido a minha em desConexões em Campinas[3], encontro jornais de anos passados nos quais havia reportagens a respeito da conjuntura política e educacional; reportagens de cadernos de cultura com belíssimas imagens/fotos. Reportagens sobre arte. Tanta coisa interessante que de certa forma compunha com aquilo que produzia atualmente. Mas como?

Também pensei em imprimir o texto em restos de papel de pão ou papel de rascunho. Pois venho pensando que se tem consumido muito papel bom para textos ruins[4]. Para não correr o risco de desperdiçar mais papel e também contribuir, quem sabe, para preservação do planeta, pensei em usar os restos de papel que há muito tinha guardado, restos de papel que embalaram o pão que me deram energia para produzir algum texto e aí, talvez, pudesse alimentar alguém ou deixar mais fácil a tarefa de jogá-lo no lixo. Um formação que pensa em alimentar, mas que também não descarta a possibilidade de alguma coisa já não prestar para uso é possível.

O texto

Os textos foram produzidos e enviados para o e-mail a partir dos encontros do Travessia Grupo de Pesquisa, para um exercício chamado “Atravessou o Travessia”[5] que ora se tornava “atravessando o travessia”, “atravessando o atravessou o travessia”, “Atravessado pelo travessia”... Nomes muito sugestivos e bons pra compor e, sobretudo, um grupo o qual, através de suas lideranças, potencializa um território no qual composições investigativas são sempre possíveis. Muita coisa produzida por lá que me interessava e que poderia ser interessante para mostrar para outras pessoas que não estavam lá ou, que lá estavam e que olhando agora, tornava-se outra coisa, inclusive para mim. Algumas conclusões, mas muitas e muitas outras potentes questões.

Organizei primeiro em ordem de produção, por data de envio, começando por fevereiro ou seria fevereteiro? Depois, percebi que a ordenação alternava os fatores de sentidos. Tinha ainda os jornais velhos. E uma ideia surgiu: e se juntar estes textos com aqueles jornais? Que outros sentidos se produzem? Resolvi abandonar as datas e investir em um texto para cada página, tornando-os independentes e relacionáveis. Lembrei a querida parteira Sônia[6], quando sugeriu que criasse um texto no qual fosse possível começar de muitos modos e continuar de outros modos e terminar ainda, de outros modos, no qual não fosse previamente definida a ordem de suas folhas por páginas ou encadeamento de palavras ou parágrafos ou temas ou qualquer outro fio de Ariadne. O leitor é convidado a criar junto ao texto. Uma educação, uma formação na qual se cria junto, na qual se é convidado a compor de modo múltiplo, experienciando inícios sempre possíveis e fins inimagináveis.
A primeira opção era imprimir os textos nos jornais velhos. Mas devido à impossibilidade técnica (as modernas impressoras não reconhecem a gramatura do jornal, nem a contemporânea ideia de um pesquisador) ou financeira (a gráfica que se predispôs, sem garantir sucesso, cobra uma quantia significativa que não poderia pagar no momento) resolvi imprimir os textos em papel vegetal que criara uma certa estética da precariedade (uma estética de resto? Sei não.) e textura interessantes, abandonando, por hora, a ideia de imprimir na folha de jornal velha.

Ao perceber a transparência do papel vegetal pensei: e se colar sobre o jornal? Comecei a experiência sem saber o que seria: mais cola, menos cola, o tipo de cola, o efeito que causa, a escolha do texto com a folha do jornal, a falta de segurança em relacionar texto e jornal. Risco de perder os textos impressos no papel vegetal. Risco de perder os jornais há muito guardados.
Uma formação sem controle, sem causa-efeito, com junção de fragmento e fragmento, sem segurança, sem saber o que cola, o que relaciona com o quê antes da relação. Uma Educação com rugas, com muitas rugas, diferentes rugas que dobra e desdobra no encontro entre materiais na diferença é possível. Uma formação com riscos, sem análise de riscos que impeça os riscos, uma educação que se arrisca é possível.

Assim foram surgindo. O que seria uma ou duas e três experiências, foi se tornando um instigante exercício de surpresa. Tornaram-se muitas colagens, com tantos efeitos e sem muita causa, causando mais efeitos. Marcelo[7] diz que parece mais um trabalho de artes plásticas. Às vezes provoca que isso não é estudar. Talvez por uma certa euforia e descontração ao realizar minhas pesquisas.
Uma educação em arte. Uma formação estética, plástica. Um professor em formação em arte que se torna artista plástico ao pensar educação é possível. Uma formação que se confunde com prazer, com o trabalho de um artista que brinca com o tempo da criação é possível. Uma educação que confunde o que é estudar criando outro modo de estudo é possível.
Não acho que seja preciso dizer ou explicar algumas relações que se criam com o(s) texto(s). Guardo aqui minhas impressões para que você leitor possa se aventurar pelo instigante exercício de composição. Ou pare por aqui.
Uma educação que se faz em composição. Uma formação que se dá em composição no mundo e com o mundo. Uma educação que ajuda a compor, mas não determina uma única composição é possível. Uma formação que instiga a composição singular de restos é possível.

O projeto

Como avaliação de uma disciplina obrigatória do mestrado (disciplina obrigatória no mestrado é preciso?) fui provocado a pensar em como apresentar meu novo projeto, já que não se tratava do mesmo que fora apresentado à banca de seleção, intitulado “Angel Vianna provoca: professor como dobra do artista”. Inicialmente, pensei em apresentar o mesmo projeto e dizer que não havia mudado nada, só para cumprir o dever. Mas Sônia, muito paciente, propôs que usasse a atividade para pensar nos desdobramentos da pesquisa. A presença de Angel Vianna não estava mais diretamente posta como objeto, apesar de ser presença marcante na minha trajetória como pesquisador.
Uma pesquisa que se pensa em pesquisa. Uma formação que faça da obrigação outra coisa. Um projeto de educação que está sempre pronto para se tornar outro. Um projeto que não sirva para impedir fluxos, mas que libere devires. Criei o “Cuidado! Educação em obra: invenção de si e de mundo”. Apresentei-o com muito entusiasmo e logo vieram os incômodos, as incompreensões, os assombramentos e o desejo em ser convidado para minha banca de qualificação, que me pareceu também um desafio e uma suspeita acerca do sucesso de execução da pesquisa. Uma educação e uma formação que se faz com incômodo, com incompreensão, com assombramentos, com desafios, com suspeita e, sobretudo, com entusiasmo é possível. Espero somente a marcação da data para formalizar o convite, mas talvez o sucesso não seja aquele esperado. Ainda bem.

Pesquiza que se faz pesquisando

Algum tempo se passou e outra obrigação: apresentar alguma coisa, obrigatoriamente, na I Mostra de Pós-Graduação da UFJF. O que apresentar, pensava. Não que não tivesse o que apresentar, tinha muita coisa para apresentar. Aliás, a obrigação agora estava a meu favor, precisariam aprovar meu trabalho, porque era obrigação que apresentasse. Segui as regras: Objetivo, Justificativa, Metodologia/Resultado, Aposta (Hipótese). Com os encontros do Curso ou Grupo de Estudos “Formação como processo ético-estético-político” com outros e outros e instigado pela leitura d’O anti-Édipo surge a bricolagem[8] na qual cada participante do grupo ou do curso trazia, em cada encontro, algo para compor uma obra que se fazia a cada novo encontro.
Uma pesquisa como bricolagem. Uma formação como bricolagem. Uma dissertação como bricolagem. Um texto acadêmico como bricolagem. N'O anti-Édipo a dupla Deleuze e Guattari pensa o esquizo como aquele que se compõe como um bricoleur, um que associa livremente códigos, que embaralha códigos, que não segue um único e mesmo código sempre. Aqui a pesquisa é pensada como uma bricolagem (ou seria uma brincolagem) tornando a pesquisa única, singular, mas com múltiplos desdobramentos: uma pesquiza. Formação como encontro outro e outro e outro e e e... Educação como encontro outro e outro e outro e e e... Formação esquiza. Educação esquizita. Vida como livre associação. Pesquiza como afirmação de vitalidade.

Obra de arte.

A aposta na obra de arte como vida ou na vida como obra de arte está presente em trabalhos de pensadores como Nietzsche e Deleuze e Guattari e Foucault. Importante salientar aqui que penso arte não representada por esta ou aquela linguagem artística. O interesse neste trabalho é pelo modo de produção arte. A criação em educação. A arte na Educação sem desejar ser arte-educador ou professor-artista ou qualquer outro hífen que interrompa fluxos ou crie identidade que segmente a possibilidade de vida. Aqui arte é desdobra. Tem a ver com o exercício de criação de uma forma que inaugura um novo modo de relação no e com o mundo e, por isso, inaugura um novo mundo. Talvez nem seja obra de arte, mas obra em arte, metamorfose. Uma qualificação obra em arte. Uma dissertação como obra em arte que convoca seu leitor a obrar em arte, transformando-o em artista também. Uma obra em arte que cria artista ao criar junto mais obra em arte. Sem pretensão em figurar ou ser aquilo que não é: obra de arte apreciável, contemplativa, de um desses cemitérios de formas e coisas belas e históricas que se costuma chamar museus.
Formação que aposta no devir das formas. Metamorfoseia público em artista. Educação como produção de obra em arte. Obra em arte que cria obreiro em arte, que confunde objeto e sujeito, impedindo a distinção entre objeto e sujeito. Formação que aposta na arte de criar formas singulares e não reproduzir seguras familiaridades de objetos que se querem ideais. Uma formação e uma educação que obra arte é possível.

Os restos 2

Volto a falar dos restos, já me desculpando, mas acho também que está claro que nada é muito linear ou evolutivo aqui na escrita. Livre associação intensificada, pois as relações vão se dando assim, sem respeito a uma cronologia antecipada ou ordenada. É um Acontecimento que implode o tempo chronos inaugurando um aión múltiplo que corre lá cá aqui[9]. Não é primeiro isso, depois aquilo e depois aquilo outro. É isso e isso e isso e isso e... mas que tolice dizer isso[10]. Então era isso![11]
Os restos aqui também são efeitos dos encontros do Acontecelagem[12] que se iniciou em Ouro Preto, no fim de agosto e inicio de setembro de 2013. Num dos esquizodramas[13], saímos pelas ruas recolhendo algumas coisas que julgamos se tratar de restos. Tolinhos. Depois juntamos tudo e tornamos aquilo outra coisa. Restos de um outro processo que se iniciou ali. No entanto, nós nunca somos restos, apesar de muitas vezes querermos ficar agarrados aos restos que produzimos – Sujeito, Dissertação, Tese, Artista, Obra de Arte, a Forma Professor, a Forma Aluno, O Anti-Édipo, a Bíblia, Além do Bem e do Mal, Pedagogia da Autonomia, Poesia... Somos processo, processando sempre. Efetuando processo que dá início a outros, forma em devir.

Uma educação atenta aos restos, mas não refém dos restos. Uma formação atenta aos restos e pronta para tornar restos inicio de outro processo é possível. Uma educação que não tem a Forma, a Fôrma. Uma formação que forma sempre pronta para desformar-se, sempre em formação de formas que forma outras formas e outras e outras e e e... Não formação continuada, porque a forma final estática não é possível, nem a falta de forma é possível. Apesar de não termos a fórmula sempre se forma. Sempre há forma.

A bibliografia ou Referência – Ou coisas que insPIRAM

As referências não se configuraram diretamente. Apesar de estarem a todo momento presentes. Mas aqui muitas coisas e muitas delas implicaram decisivamente para as escolhas, para os trajetos e principalmente, provocaram estar onde estou e escrever como escrevo. Nada seguro, nem tampouco limitado a uma análise causa-efeito. Assim, faço o convite para que leia alguma coisa da referência que me inspira ou pira. Comece tranqüilo, despretensioso a entender, no entanto, atento para pensar outras coisas. Aposto nisso: em textos, em referências que provocam a pensar o impensado, pensar outras relações possíveis, outras relações que ainda não haviam sido pensadas por tão simples que pareciam, isso nada tem a ver com esse desejo atual de querer ser novidade instantânea. A leitura destes textos pede tempo, um tempo que não é cronológico, mas que inaugura novos tempos. Um tempo descompromissado com o calendário. Aliás, se houver algum incômodo com este tempo que insiste em nos afastar de um tempo vivo, enchendo-nos com cronogramas, avaliações, relatórios, resultados, análises de desempenho, sugiro que se perca um tempo nestas leituras e quem sabe, descobre-se que é possível inventar outro tempo para a vida que não perde tempo e inventa mais tempo para viver. E são eles: “Diferença e Repetição”; “O anti-Édipo”; “Além do Bem e do Mal”; “Ecce Homo”, “Entre Composições”; “Corpoalíngua: performance e esquizoanálise”; “Corpos Informáticos: Performance, Corpo, Política”; “Escrileitura n-1: procura arisca de fins transitivos”; “Tabacaria”; “Cântico Negro”; “O Que será que será”; “Pistas sobre o método Cartográfico”; “Pensamento, corpo e devir: Uma perspectiva ético/estético/político”.
Não selecionei nenhum trecho diretamente porque têm coisas que provocam também: o peso do livro, a cor da capa, o agrupamento dos artigos, as fotos selecionadas, o cheiro da impressão, a demora para baixar o arquivo da internet. Sei ainda que por hora, ao selecionar este ou aquele fragmento, o selecionador intensifica uma parte do texto. Porém, mais importante que selecionar este ou aquele fragmento, é perceber as relações que se cria com tal seleção. Por isso, muitos textos que trazem em seus corpos fragmentos de outros autores como Foucault ou Deleuze, mas afirmam velhas relações, não aumentam a potência da vida na academia. Mais importante que citar tal ou tal pesquisador, é apostar nas relações que seus trabalhos potencializam na afirmação de vida possível na Academia. No momento, aposto nas obras e nas descobertas que o leitor possa desvendar nestas obras que impulsionaram estar onde estou e levá-lo para um lugar que ainda não fui. Há ainda muita coisa por lá que cá não há. Uma formação de fragmentos, mas que não seleciona ou determina fragmentos importantes. Uma educação que mostre suas fontes, que seja fonte, mas que não limite a um recorte da fonte sempre a jorrar. Uma educação que indique referências, mas que não crie dependência é possível. Uma formação que inspire e que por vezes pire é preciso.

Metodologia ou como cheguei cá estou 

Não diria uma metodologia esquiza ou metodologia de pesquiza porque as pesquisas são assim, apesar de um desejo de controle impedir. Todo pesquisador seleciona e agrupa informações ou coisas criando sentidos. O pesquisador, desse modo, tem o papel de intensificar relações acabando por criar relações não pensadas. Os esquizos são aqueles capazes de promover as livres associações de coisas como um bricoleur, disse Deleuze e Guattari. Somos todos esquizos, continuam os dois. Porém, não o esquizofrênico artificializado pela psicanálise, pela obsessão de uma cura que não existe. Esquizos que relacionam coisas, que ora respeitam códigos, ora embaralha todos os códigos, criando no caos, donde surge ainda vida. Uma formação esquisita para os moldes que se espera. Uma educação esquiza.  Uma educação que permite a livre associação entre coisas. Uma formação que intensifica relações na diferença. Uma formação e uma educação bricoleur. Uma formação e uma educação produzidas por códigos, mas não refém dos códigos, que embaralha códigos, descodifica e codifica e outras coisas, mostrando que a vida é movimento e não constância de forma. Uma formação que se produz com arte, a arte bricoleur que associa livremente coisas não por falta de rigor estético, mas na produção de estética outra, um rigor que a vida exige de criar com o que está no mundo e não fora dele. Uma educação esquiza que só produz diferença na diferença, não diferentes em oposição de identidades. Uma educação que não quer produzir cura medicalizada ou prognóstica porque só pode produzir saúde, potência de vida. Uma formação sem se ocupar com forma saudável porque não há. Uma educação e uma formação preocupadas apenas com produção de vida, saúde em produção.

Para passar a limpo

Aposto numa escrita intensiva. Assim, vendo cada letrinha, cada forma de juntar um termo ao outro, os escapes da caneta, a modulação na grossura da ponta do lápis, as variações das cores do grafite e da repetição das letras, o cheiro da borracha friccionada na folha, confusão de memórias e atualizações de escolas. Desculpe-me a falta de rigor linguístico com a norma culta padrão ou as normas da ABNT que, por vezes, me escaparam no caderno. Aqui importa outro rigor, o rigor da língua que gagueja enquanto escreve. Da escrita que hesita no não saber da próxima palavra. Desvios e descontínuos. Um cutuque aos tempos da reprodutibilidade técnica replicável, aplicável, copiável, reproduzível. Uma educação não replicável, não aplicável a padrões fixos e seguros. Uma formação experenciada na sua singularidade. Uma educação produzida como rascunho definitivo.
A escrita de um texto a limpo era costume do meu Ensino Fundamental, mas ainda está presente em algumas escolas, resistindo aos apelos tecnológicos ou servindo como castigo aos jovens superconectados que esquecem como se escreve. Será? Copiar, passar a limpo para quem sabe fixar melhor o que fora escrito. Será? Capricho e boa letra é sempre desejável e recompensável com boas notas ao final de um bimestre difícil. Nem mesmo as aulas de Matemática estão livres dos cadernos a limpo. Uma educação nada asséptica contagia. Uma prática da Educação Básica contamina uma prática do Ensino Superior (ou seria Pós-Superior?). Provocado. Provocando. Uma formação que provoca contágios é possível. Uma educação que provoca outro modo de pensar educação, o básico aqui é pensar. Quem sabe um delicioso exercício estético de compor a melhor letra possível para um leitor atento. A atenção à escrita deve ser intensificada, pois os erros ficarão evidentes. Uma educação que não apaga erros, mas propõe outras versões que tornam o erro outra coisa: um exercício para criar! Uma formação que ao pensar educação ou vice-versa suja as mãos. Uma educação que se permite sujar pelo exercício de pesquisar é possível. Atenção: nada de grafologia, por favor. Aqui seremos todos alunos da vida, aprendo a fazer do Mesmo outras coisas.

A caixa

Deixo aqui espaço para pensar como produzi a caixa. Dica: a fôrma que possibilita outras formas é possível. Porém não é fácil. Pensar é sempre um exercício difícil, contudo, vivo!





[1] Seminário interno realizado para apresentação de produção junto ao curso de extensão da UFJF que faz parte do projeto de pesquisa “Oficinas de Exercícios Formativos: cartografias dos processos ético-estético-políticos em professores em formação” financiado pela FAPEMIG e realizado pelo Travessia Grupo de Pesquisa, no ano de 2013.

[2] “O terceiro corte da máquina desejante é o corte-resto ou resíduo, que produz um sujeito ao lado da máquina, peça adjacente à máquina.” (DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-Édipo. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2010, p. 60).

[3] “V Seminário Conexões Deleuze e territórios e fugas e...” ocorrido na cidade de Campinas, promovido pela Faculdade de Educação da Unicamp, entre os dias 20 e 23 de agosto de 2013. Na ocasião, em uma noite em homenagem a Dionísio, perdi uma mala que gostava muito, usada em uma performance apresentada por lá.

Lembrei este trecho do poema “Morte do Leiteiro”, de Carlos Drummond de Andrade:
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
[...]
DRUMMOND, (Carlos Drummond de Andrade). Morte do leiteiro. Disponível em http://letras.mus.br/carlos-drummond-de-andrade/460649/. Acessado em 24 de jan. de 2014.

[5] O Travessia Grupo de Pesquisa, certificado pelo CNPq e abrigado no PPGE/UFJF, do qual faço parte, possui um grupo virtual usado para comunicação entre os seus membros. O “Atravessando o Travessia” é um exercício de escrita on-line que não deseja um rigor acadêmico tradicional. É motivado e deseja provocar algumas intensificações a partir dos encontros presenciais das segundas-feiras, dia de reunião do grupo.

[6] “O professor é um parteiro, ele tira do aluno o que tem para dar. Se o aluno não tem nada, não sai nada. Mas é preciso sempre ter cuidado: é claro que o aborto existe. Muitos professores matam o artista na sala de aula”. (Klauss VIANNA, A dança, 1990, p. 34).

“Um procura um parteiro para os seus pensamentos, outro alguém a quem possa ajudar: é assim que nasce uma boa conversa.” (NIETZSCHE, Para Além do Bem e do Mal, 2010, p. 97).

[7] Marcelo Neves é artista plástico e professor de arte e especialista em Arte e Comunicação pela UFJF e atual companheiro de cama, mesa e banho.
[8] A partir das leituras d’O anti-Édipo que diz “É assim que todos somos: bricoleurs” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 11) foi proposto que a cada encontro do grupo “Formação como processo ético-estético-político” alguma coisa relacionada aos encontros fosse trazida pelos participantes para compor uma obra em bricolagem.

[9] “Esse tempo crônico se opõe como contratempo a figura de aión. Aión é um nome derivado de aieí, que pode ser traduzido por sempre, e que vem da mesma raiz que dá o latim aeternus. No fragmento de Heráclito, aión poderia referir-se ao tempo considerado de uma vez, ao tempo-todo, ao tempo perene.” LARROSA, Jorge. Chronos e aión ou o acontecimento. In.: _____. Nietzsche & a Educação. Traduzido por Semíramis Goini da Veiga – 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 124.

[10] “Isso funciona em toda parte: às vezes sem parar, outras vezes descontinuamente. Isso respira, isso aquece, isso come. Isso caga, isso fode. Mas que erro ter dito o isso.” (DELEUZE; GAUTTARI, 2010, p. 11)

[11] “Isso equivale a dizer que o sujeito é produzido como um resto, ao lado das máquinas desejantes, ou que ele próprio se confunde com essa terceira máquina produtora e com a reconciliação residual que ela opera: síntese conjuntiva de consumo, sob a forma maravilhosa de um “Então era isso!” (idem, p. 31)

[12] “Acontecelagem – imersão em esquizodrama” foi promovido pela Fundação Gregório Baremblitt / Instituto Félix Guattari, entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro de 2013, na cidade de Ouro Preto – Minas Gerais.

[13] Esquizodrama é maquinaria produzida pelo desejo Gregório Baremblitt junto ao encontro e ao encanto da esquizoanálise. “O esquizodrama funciona como um conjunto difuso de pragmáticas, estratégias, táticas e técnicas inspiradas em diversas cartografias praticadas na teoria psicanalítica de G. Deleuze e Felix Guattari. Dos numerosos livros que compõem essa obra, privilegiamos os tomos que constituem “Capitalismo e Esquizofrenia” (O anti-Édipo e Mil Platôs), porém não descartamos nenhum outro.” BAREMBLITT, Gregório. Dez proposições descartáveis acerca do Esquizodrama. Disponível em http://artigosgregorio.blogspot.com.br/2008/02/dez-proposies-descartveis-acerca-do.html. Acessado em 24 de jan. de 2014.